14 de maio de 2013

Freud estava certo

“Embora os genes sejam poderosos, são nossos pais os principais responsáveis por tudo o que acontece conosco”

  • Texto originalmente publicado na Revista Ciência Hoje (Julho/11)

Quantas pessoas gostariam de saber quanto tempo têm ainda para viver? Possivelmente poucas e, mesmo assim, esses indivíduos provavelmente desejariam apenas confirmar que estariam mais enviesados para a longevidade e não o oposto. Recentemente, a bióloga molecular María Blasco, do Centro Nacional de Investigação do Câncer, respeitado centro de pesquisa em Madrid (Espanha), anunciou a comercialização de um teste que permite estimar, por meio da medida do tamanho dos telômeros, a expectativa de vida de cada um.

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Sigmund Freud (1856-1939) foi o pai da psicanálise.

Os telômeros ficam nas extremidades dos cromossomos e, devido a peculiaridades do sistema de replicação do DNA, tendem a encurtar progressivamente com a idade. Quando atingem um determinado valor crítico, o cromossomo se torna instável e, a partir daí, as células se degradam, obedecendo a um roteiro de suicídio programado. O teste da doutora Blasco é baseado na ligação de uma sonda fluorescente aos telômeros. Quanto mais intensa for a fluorescência detectada, maior será o telômero e, portanto, a duração da vida. Desse modo, o cliente poderá (por cerca de R$ 1.000) receber uma estimativa de quanto tempo lhe resta.

Os cientistas não divergem quanto à correlação entre tamanho dos telômeros e extensão da vida. A polêmica estaria na utilidade dessa informação. O que fazer com ela? Há ainda outro aspecto a considerar. O resultado fornecido pelo teste – colocado no mercado pela empresa Life Length (literalmente, ‘Comprimento da vida’), fundada por Blasco e outros pesquisadores – é, como já mencionado, apenas uma estimativa, o que significa que telômeros longos não garantem uma vida longa. Quem tem longos telômeros pode morrer de doenças infecciosas, de acidentes e das consequências de maus hábitos de alimentação e higiene ou do abuso de drogas e de álcool. Essa situação ilustra que o genótipo somente estabelece determinados limites para o fenótipo, que essencialmente depende do meio ambiente.

Telomere

 

Os telômeros são as extremidades dos cromossomos.

Contrastando com a abordagem biotecnológica empregada no teste espanhol, foi publicado quase simultaneamente o relatório, elaborado pelo Conselho de Pesquisas Médicas (MRC) britânico, de um estudo de longo prazo com milhares de bebês nascidos logo após a Segunda Guerra Mundial, em março de 1946. Detalhes biométricos foram cuidadosamente anotados no nascimento e ao longo das vidas dessas pessoas. A coleta formou um robusto arquivo – hoje denominado Projeto Nacional de Levantamento de Saúde e Desenvolvimento – com informações como peso, nível socioeconômico das famílias, avaliação de inteligência (QI) e muitas outras. Um resumo dessa fascinante pesquisa pode ser lido na edição de 3 de março de 2011 da revista Nature (‘Study of a lifetime’).

O estudo dos dados do projeto, hoje coordenado pela economista Diana Kuh, revelou detalhes curiosos e surpreendentes. Seguramente, esses resultados estimularão dezenas de novos projetos de pesquisa. Os bebês mais pesados, por exemplo, foram os que apresentaram maior risco de câncer de mama décadas mais tarde. A tendência para a obesidade foi maior nas crianças nascidas em famílias de nível socioeconômico mais baixo, ao contrário daquelas de famílias mais favorecidas. Estas, em geral, tinham bom desempenho na escola e na universidade, não sofreram doenças cardíacas, permaneceram magras, bem condicionadas e mentalmente alertas. Curiosamente, descobriu-se ainda que mulheres com QI mais alto atingiram a menopausa bem mais tarde que aquelas com desempenho intelectual mais modesto.

Enfim, sem muita sofisticação metodo­lógica, o levantamento destacou um aspecto muito importante e relevante para a expectativa de vida dos humanos. Nossos primeiros anos de vida parecem ser essenciais para a moldagem de nosso futuro, algo que definitivamente não é revelado pelos telômeros. Difícil escapar da constatação de que, embora os genes sejam poderosos, são nossos pais os principais responsáveis por tudo o que acontece conosco.

Aviso

Todo o conteúdo publicado no texto acima é de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor Franklin Rumjanek

Franklin Rumjanek Realizou a graduação em Ciências Biológicas pela UERJ (1969), fez pós-graduação na Universidade de Copenhagen (1971) e obteve o PhD EM Química Biológica - University College London (1975). Atualmente é professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Bioquímica, Biologia Molecular e Genética Humana (estudos populacionais de polimorfismos). Franklin foi o primeiro Diretor do Instituto de Bioquímica Médica ...