Publicado em 16/05/2016

As gotículas lipídicas e o sistema imune do mosquito da dengue

O mosquito Aedes aegypti tem sido um alvo importantíssimo de estudos no cenário científico contemporâneo, principalmente por ser o principal inseto transmissor de viroses como dengue, Zika e Chikungunya.

Em um estudo recente, publicado em 18 de Fevereiro deste ano pelo periódico Scientific Reports, um grupo internacional de pesquisadores liderados pelo Prof. Marcos Sorgine do IBqM/UFRJ avaliaram o papel das gotas lipídicas no Aedes aegypti como resposta imune contra bactérias e vírus da Dengue.

As gotículas lipídicas são domínios citoplasmáticos que participam da ativação e regulação do metabolismo lipídico. Mais precisamente elas são grânulos de lipídeos encontrados em adipócitos que os utilizam como forma de armazenamento de energia. As gotas lipídicas são constituídas majoritariamente de ácidos graxos envolvidos por proteínas estruturais como as perilipinas, que estão intrinsecamente ligadas à formação e degradação desses grânulos quando necessário.

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Acreditava-se que a função das gotículas lipídicas restringia-se a regulação da homeostase de lipídeos. No entanto, mais recentemente, estudos têm constatado a presença dessas estruturas em células do sistema imunológico de mamíferos, tais como neutrófilos e macrófagos. Por exemplo, nos macrófagos, quando os receptores do tipo Toll (proteínas transmembranas associadas à imunidade inata) são ativados, a produção de gotas lipídicas é induzida, concentrando-se em ésteres de colesterol e triacilglicerol. Isso conduz à formação de células de espuma, um tipo de macrófago responsável por tentar controlar o excesso de colesterol através da fagocitose, como acontece em caso de arterosclerose nos tecidos infectados.

Em infecções virais, a ativação dos receptores tipo Toll leva ao recrutamento de moléculas de sinalização da superfície das gotículas lipídicas, induzindo a produção de interferons, que são os principais mediadores da resposta antiviral. Portanto, inibir a síntese das gotas lipídicas pode afetar a produção adequada desses mediadores. Pacientes com Dengue grave também apresentam aumento no número de gotículas lipídicas nos leucócitos.

Assim, sabe-se que as gotículas lipídicas são capazes de modular respostas imunes e inflamatórias através da produção de mediadores lipídicos em mamíferos.

 

Mas afinal, por que estudar gotículas lipídicas em insetos é importante?

Pela primeira vez, os cientistas demonstraram o acúmulo de gotículas lipídicas induzida por infecção como um tipo de resposta imunológica em insetos, sugerindo com isso, um importante papel das gotículas lipídicas em seu sistema imunológico. Até então, não haviam sido feitos estudos sobre a funcionalidade das gotículas lipídicas como resposta imunológica em insetos, sendo somente conhecido e considerado que nesses organismos, as gotículas serviam apenas como armazenamento de lipídeos. Certamente o novo estudo contribui para melhores esclarecimentos nos processos do sistema imunológico de insetos, revelando que eles dependem, assim como os mamíferos, das gotículas lipídicas como componentes celulares para gerar respostas imunes.

Na pesquisa liderada pelo Prof. MarcosFerreira Sorgine, em conjunto com pesquisadores da Fiocruz, do INCA e da universidade de Johns Hopkins (nos EUA), o grupo de pesquisadores mostrou que, quando desafiadas com vírus da Dengue e bactérias, uma linhagem de células imunitárias acumulava essas gotículas lipídicas.

Através do método de Microarray, uma técnica de análise em larga escala que permite avaliar a expressão gênica em amostras biológicas, os dados revelaram altos níveis de transcritos gênicos associados ao armazenamento de lipídeos e à biossíntese de gotículas lipídicas nessa linhagem de células infectadas com o vírus da Dengue e bactérias Enterobacter cloacae.

Eles observaram que, quando infectaram as células com vírus da Dengue e Febre amarela, houve um aumento acentuado na produção das gotas lipídicas no citoplasma, assim como quando infectaram o mosquito com bactérias gram-negativas, houve um aumento das gotículas citoplasmáticas no intestino médio. Eles também confirmaram que, após alimentar o mosquito com sangue, ocorre um aumento da microbiota intestinal dele que, após a refeição, pode aumentar os níveis de suas bactérias gram-negativas em até 1000 vezes. E essa alimentação também eleva a quantidade de gotas lipídicas no intestino médio.

Para confirmar que os níveis das gotículas não aumentavam simplesmente pela necessidade de armazenar lipídios absorvidos na alimentação de sangue e sim como uma forma de resposta imune devido a presença crescente das bactérias, os mosquitos foram tratados com antibiótico para reduzir a microbiota intestinal e da refeição de sangue (já que alguns patógenos também são ingeridos com o sangue. Isso conduziu a uma evidente e clara redução na quantidade de gotículas lipídicas presentes no tecido. Os pesquisadores verificaram ainda que, após a alimentação, mosquitos normais apresentavam maiores níveis de gotículas lipídicas que aqueles tratados com antibiótico.

O trabalho conseguiu demonstrar, sob diferentes estímulos imunológicos, o aumento na quantidade de gotículas lipídicas em Aedes aegypti, revelando ainda que a infecção bacteriana modula um perfil de expressão gênica superior quando comparada com a infecção com o vírus da Dengue.

Tanto em mamíferos como em insetos, o aumento das gotículas lipídicas no intestino está relacionado à ativação dos receptores do tipo Toll e das vias de deficiência imunológica. Em humanos, os receptores do tipo Toll estão ligados ao acúmulo de triacilgliceróis em macrófagos, gerando as células espumosas, que são uma forma de o macrófago remover o depósito de gordura no organismo em regiões de inflamação e infecção no organismo. Nos insetos, os cientistas sugerem que a proliferação de bactérias no intestino depois da ingestão de sangue leva ao crescimento no número de gotículas lipídicas, desencadeada pela ativação da via Toll, o que resulta na produção de peptideos antimicrobianos e ativação imunológica. A literatura já confirma que a ativação da via Toll pode ter um efeito anti-Dengue.

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Recomendamos fortemente a leitura do artigo “Emerging role of lipid droplets in Aedes aegypti immune response against bacteria and Dengue virus” no site do periódico através do endereço eletrônico: http://www.nature.com/articles/srep19928

Formato para citação:

* Barletta AB, Alves LR, Nascimento Silva MC, Sim S, Dimopoulos G, Liechocki S, Maya-Monteiro CM, Sorgine MH. Emerging role of lipid droplets in Aedes aegypti immune response against bacteria and Dengue virus. Sci Rep. 2016 Feb 18;6:19928. doi: 10.1038/srep19928. PubMed PMID: 26887863; PubMed Central PMCID: PMC4757862.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.