06 de março de 2014

Um novo mecanismo de perda de memória na doença de Alzheimer: novos laços com a diabetes

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A doença de Alzheimer (DA) é caracterizada por perda de sinapses, que são as conexões entre neurônios no cérebro,  e progressivo declínio de funções cognitivas, dentre as quais a perda de memória. Recentemente, uma relação curiosa entre mecanismos que causam diabetes (por exemplo, resistência à insulina, inflamação) e a doença de Alzheimer tem sido estudada em nível molecular. Em recente trabalho, demonstramos que uma via de sinalização pró-inflamatória mediada pela citocina TNF-α e pela proteína quinase dependente de dsRNA (PKR) causa perda de sinapses e disfunção de memória em modelos animais da doença de Alzheimer. Descobrimos também que estimular a sinalização neuronal por insulina bloqueia esse mecanismo tóxico e reverte o prejuízo cognitivo em camundongos.

Conexões clínicas e epidemiológicas entre a doença de Alzheimer e diabetes tem sido estabelecidas ao longo das últimas décadas. Pacientes diabéticos são mais propensos a desenvolver demência e pacientes com DA apresentam resistência cerebral à insulina e metabolismo neuronal prejudicado. Estas observações levaram à hipótese de que mecanismos relacionados com a diabetes poderiam afetar o funcionamento do cérebro, causando, portanto, eventos característicos da DA, como sinapses defeituosas e declínio cognitivo.

Oligômeros de β-amilóide (AβOs) são agregados gerados a partir do peptídeo do Aβ que se acumulam anormalmente nos cérebros de pacientes da DA. Atualmente, estes oligômeros são reconhecidos como neurotoxinas centrais na doença de Alzheimer. Por exemplo, AβOs promovem  estresse oxidativo, alteração na homeostase de cálcio e perda de sinapses, todos efeitos deletérios para o cérebro. Nosso grupo tem mostrado que AβOs prejudicam a  sinalização neuronal por insulina, assemelhando-se à resistência à insulina que acontece em tecidos periféricos em quadros de obesidade e diabetes.

Neste trabalho, nós investigamos o papel destes oligômeros em desencadear sinais inflamatórios e comprometimento cognitivo em camundongos. Utilizando diversas abordagens em modelos celulares e animais, identificamos uma sinalização neurotóxica dependente de TNF-α , uma citocina pró-inflamatória sabidamente relacionada à resistência à insulina na diabetes. O aumento de TNF-α, por sua vez, ativa uma proteína quinase ligada a estresse metabólico (PKR), que conduz a fosforilação inibitória do seu principal alvo eIF2α (subunidade do fator de iniciação da tradução 2, uma molécula essencial para a síntese de proteínas celulares). Este mecanismo nocivo, em última análise, causa perda de sinapses e déficits de memória em camundongos.

Terapias anti-diabéticas têm sido propostos para a doença de Alzheimer e a administração intranasal de insulina tem, de fato, efeitos benéficos sobre a memória em humanos. Nós, então, testamos a hipótese de que estimular a sinalização neuronal de insulina poderia neutralizar a neurotoxicidade causada ​​pelo mecanismo que descrevemos.

Observamos que a insulina ou análogos farmacológicos de GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon 1; hormônio com ação insulinotrópica), usados ​​para o tratamento do diabetes, bloqueiam os efeitos causados pela sinalização de TNF-α/PKR/eIF2α no cérebro. De forma consistente, análogos de GLP-1 revertem a inibição de eIF2α e restauram a cognição em ratos APP/PS1, um modelo transgênico amplamente utilizada em estudos de DA. Ainda, verificamos que estes compostos atenuam a inibição de eIF2α em macacos cinomolgos, um modelo primata não-humano que parece recapitular com mais fidelidade a doença humana.

Os resultados da nossa pesquisa demonstram um novo mecanismo que conduz à perda de memória associada à doença de Alzheimer. Além disso, estes suportam uma ligação molecular entre a doença de Alzheimer e diabetes tipo 2, em acordo com os dados clínicos e experimentais anteriores. Sendo uma doença complexa de memória, a doença de Alzheimer ainda está em busca de uma terapia eficaz que reverta ou interrompa o declínio cognitivo em humanos.

Neste trabalho, descobrimos um mecanismo complexo que pode fornecer novos alvos para terapia da DA. Além disso, fornecemos novas indicações moleculares de que estimular a sinalização da insulina no cérebro pode ser uma estratégia inteligente e eficaz para combater a perda de memória em pacientes com DA. De fato, testes clínicos para com base nessa premissa já estão em andamento e os primeiros resultados deverão estar disponíveis nos próximos três anos. Esperamos que os resultados confirmem efeitos benéficos em pacientes. Enquanto isso, no entanto, é importante ressaltar que a insulina e medicamentos relacionados não devem ser usados por pacientes no presente momento, uma vez que ainda não se pode garantir a segurança ou eficácia em humanos.

Os resultados do nosso trabalho foram recentemente publicados em artigo intitulado “TNF-a Mediates PKR-Dependent Memory Impairment and Brain IRS-1 Inhibition Induced by Alzheimer’s b-Amyloid Oligomers in Mice and Monkeys“ no periódico Cell Metabolism, cuja edição de dezembro de 2013 destacou nosso artigo na capa.

O artigo completo pode ser acessado em: http://www.cell.com/cell-metabolism/abstract/S1550-4131(13)00450-6

Um interessante comentário, escrito pelo pesquisador chileno Claudio Hetz e publicado na mesma edição, pode ser acessado em: http://www.cell.com/cell-metabolism/abstract/S1550-4131(13)00458-0

Mychael V. Lourenco, aluno de doutorado em Química Biológica, IBqM/UFRJ
Sergio T. Ferreira, professor titular, IBqM/UFRJ
Fernanda G. De Felice, professora associada, IBqM/UFRJ

Referência:

Lourenco et al., TNF-a Mediates PKR-Dependent Memory Impairment and Brain IRS-1 Inhibition Induced by Alzheimer’s b-Amyloid Oligomers in Mice and Monkeys, Cell Metabolism (2013), http://dx.doi.org/10.1016/j.cmet.2013.11.002

Este trabalho foi coberto pela mídia nacional através das seguintes matérias:

 

Aviso

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Sobre o autor Sérgio Ferreira

Sérgio Ferreira Graduado em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), realizou Mestrado (1987) e Doutorado (1989) em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientacao de Sergio Verjovski-Almeida. Realizou Pos-Doutorado no Departamento de Fisica da University of Illinois at Urbana-Champaign (USA, 1992-1994) sob supervisao de Enrico Gratton. Contratado como Professor Adjunto em 1990, desde 1999 é Professor Titular do Instituto de Bioquimica ...