A epigenética como uma nova arma no controle da esquistossomose
O grupo de pesquisa do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis liderado pelo professor Marcelo Fantappié, publicou recentemente um artigo referência na área da biologia molecular do parasita Schistosoma mansoni.
O artigo, intitulado “Epigenetic changes modulate schistosoma egg formation and are a novel target to reduce transmission of schistosomiasis”, foi publicado na revista Plos Pathogens e recebeu destaque na primeira página da revista on line. O artigo fez parte da tese de doutorado do aluno Vitor Coutinho Carneiro, que atualmente é pós-doutorando do laboratório.
A esquistossomose é uma doença causada pelo parasita Schistosoma mansoni, e que ainda acomete milhões de pessoas no Brasil e na África. Apesar de existir uma droga eficaz contra os parasitas adultos, o Praziquantel, já existem relatos da existência de cepas resistentes a esse único medicamento.
Diferente de vários outros helmintos, o S. mansoni apresenta sexos separados, macho e fêmea, que permanecem acasalados por toda a vida no sistema porta-hepático do hospedeiro humano, e constantemente colocando ovos. Uma infecção pelo S. mansoni pode ser representada pela presença de milhares de casais de vermes, com cada fêmea colocando cerca de 300 ovos por dia. Ao contrário do que se imagina, a presença dos vermes adultos no sistema porta-hepático não é a causa da patologia. A doença é causada pelos ovos, que ficam retidos no tecido hepático, disparando uma potente resposta inflamatória, o que culmina com a formação de granulomas hepáticos e o comprometimento do órgão. Além disso, o ovo também é o responsável pela transmissão da doença, já que 50% dos ovos postos pelas fêmeas conseguem alcançar a luz do intestino e são expelidos juntos com as fezes, o que acaba contaminando o meio ambiente e propagando a doença. Nesse contexto, fica claro a importância que o ovo do S. mansoni tem na patologia e transmissão da doença.
Neste trabalho, aproveitamos o conhecimento que vimos adquirindo ao longo dos anos, sobre a biologia molecular do sistema reprodutor da fêmea do S. mansoni e propomos uma nova abordagem terapêutica, que poderá culminar com uma diminuição tanto da transmissão, como da patologia.
O nosso alvo de estudo foi um gene, o Smp14, que codifica para uma proteína majoritária da casca do ovo S. mansoni. O gene p14 só é expresso nas células vitelínicas de fêmeas sexualmente maduras. A demanda de expressão do gene p14 é enorme, o que é esperado considerando a intensa produção de ovos diária. No estudo, comprovamos in vivo que os fatores de transcrição heterodiméricos SmRXR1/SmNR1 se ligam especificamente ao promotor do gene p14 e ativam a sua transcrição. Mostramos também que a ativação da transcrição é dependente de mecanismos epigenéticos, como o remodelamento da cromatina através de modificações químicas em histonas, mais especificamente, a acetilação de histonas. Nesse contexto, quando incubamos vermes adultos na presença de inibidores sintéticos de histona acetiltransferases (HATs), verificamos claramente um agressivo fenótipo negativo na formação dos ovos. De forma importante, nossos dados moleculares comprovaram que o comprometimento no desenvolvimento dos ovos se deu pela inibição da expressão do gene p14.
Os resultados de nossa pesquisa apontam claramente para uma alternativa factível em termos de estratégia de combate da doença. Vale lembrar que nos últimos 20 anos diversos alvos de drogas e vacinas foram sugeridos, mas até o momento nenhum se tornou realidade. De forma importante, o nosso trabalho não só propõe uma nova abordagem terapêutica, mas principalmente, descreve detalhadamente o mecanismo molecular de controle da expressão de um gene alvo no S. mansoni.
O nosso próximo desafio será desenvolver inibidores de HATs que sejam específicos para as enzimas do S. mansoni. Nesse sentido, estamos trabalhando na resolução da estrutura tri-dimensional de domínios alvos presentes somente nas enzimas do parasita. Essa pesquisa será a base para o desenvolvimento de novos e específicos compostos.
Esses estudos vêm recebendo financiamento da Comissão Europeia (FP7-Health), através de um consórcio entre laboratórios europeus e brasileiros.
O artigo completo pode ser visto no link a seguir:
http://www.plospathogens.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.ppat.1004116