Publicado em 07/08/2015

Glicanos sulfatados e suas funções farmacológicas

O Professor Vitor Pomin é o atual chefe do Programa de Glicobiologia do IBqM e nos últimos anos vem publicando uma série de artigos importantes em revistas científicas internacionais sobre a relevância dos carboidratos.

Neste ano de 2015, o Prof. Pomin publicou artigos que ressaltam o papel dos glicanos sulfatados em processos biológicos como a inflamação e proteção contra bactérias. Seus artigos reportam também análises estruturais dessas moléculas, principalmente através do emprego da técnica de ressonância magnética nuclear (RMN).

Uma das questões mais relevantes nos últimos tempos sobre os estudos de carboidratos que atuam como ingredientes benéficos à saúde é o uso de glicosaminoglicanos na indústria farmacêutica e de cosméticos. É sabido que essas moléculas têm atividades terapêuticas em diversas doenças tais como artrite, artrose e até osteoporose. Mas essas moléculas também podem levar a problemas hemorrágicos, já que alguns glicosaminoglicanos possuem características anticoagulantes.

 

VitorChamada

 

O Prof. Vitor Hugo Pomin foi entrevistado pelo portal BIOQMED e esclareceu algumas questões relevantes ao tema de sua pesquisa.

PORTAL BIOQMED: Bom dia, Prof. Pomin. Obrigado por colaborar com o portal do IBqM! Primeiramente gostaríamos de saber o quê são esses glicanos sulfatados e os chamados glicosaminoglicanos que o senhor estuda. O senhor poderia nos explicar em uma linguagem simples o quê são essas moléculas e quais são suas principais atividades biológicas?

VHP: Os glicosaminoglicanos tais como heparina, heparam sulfato, dermatam sulfato, condroitim sulfato, ácido hialurônico e queratam sulfato são glicanos sulfatados amplamente empregados na indústria farmacêutica do mundo. Glicanos sulfatados são carboidratos de cadeia longa (polissacarídeos lineares) carregando estéres de sulfato (OSO3-) como grupamentos químicos laterais a estas cadeias de açúcar. Os glicosaminoglicanos são responsáveis por eventos de sinalização celular em diversos sistemas fisiopatológicos tais como coagulação, inflamação, infecção microbiana, câncer, crescimento e diferenciação celular. Por isso, são amplamente explorados do ponto de vista farmacológico.

A heparina, por exemplo, é a segunda biomolécula mais utilizada na clínica, vindo atrás apenas da insulina -- que é um hormônio de natureza protéica e, como todos sabem, amplamente utilizado na terapia de diabetes. Contudo, a heparina é indubitavelmente o carboidrato mais utilizado na prática da medicina clínica em nível mundial. Além dos glicosaminoglicanos que podem ser extraídos tanto de mamíferos como de invertebrados, outros glicanos sulfatados são as fucanas e galactanas sulfatadas extraídas de ouriços-do-mar, pepinos-do-mar e algas. Estes glicanos sulfatados são menos conhecidos na comunidade científica quando comparados aos glicosaminoglicanos de mamíferos, mas respondem de maneira análoga às ações biomédicas destes últimos. Nosso Programa de Glicobiologia do IBqM está focado nos estudos estruturais, farmacológicos e biológicos de todos estes glicanos sulfatados.

PORTAL BIOQMED: Parece que alguns estudos revelaram que a utilização de glicosaminoglicanos purificados de mamíferos podem carregar partículas virais e até príons. Qual o risco de usar, hoje em dia, terapias baseadas nessas moléculas de mamíferos?

VHP: Sim, é verdade. Na maioria das vezes, a extração de glicosaminoglicanos de origem animal é feita em larga escala e por procedimentos não muito sofisticados do ponto de vista metodológico. A precipitação alcoólica do extrato bruto de glicanos sulfatados obtidos após tratamentos proteolíticos de grandes quantidades de tecidos animais tais como pulmão bovino, mucosa intestinal bovina, cartilagem e traqueia de tubarão, onde métodos cromatográficos de purificação não são empregados, são exemplos de procedimentos de preparação pouco sofisticados. Isto é um fator agravante já que contaminantes tais como partículas virais e príons (um peptídeo patogênico responsável pelo Mal da Vaca Louca ou Encefalopatia Espongiforme Bovina) podem ser nocivos à saúde dos pacientes submetidos a tratamento com base em glicosaminoglicanos e podem estar presentes em alguns tipos de preparações clínicas destas moléculas.

PORTAL BIOQMED: E qual a importância do estudo dos glicanos derivados de invertebrados marinhos?

VHP: A importância está relacionada ao fato de que o risco de contaminação de glicosaminoglicanos ou glicanos sulfatados derivados de invertebrados marinhos diminui significativamente já que estes organismos marinhos apresentam baixa concentração ou ausência dos contaminantes encontrados em mamíferos. Além disso, em alguns casos, estas moléculas marinhas (galactanas e fucanas sulfatadas) podem apresentar estruturas e funções diferenciadas quando comparadas àquelas de origem animal tais como heparinas bovina ou suína e o crondroitim sulfato de tubarão.

PORTAL BIOQMED: Bem, parece que uma alternativa viável e que está crescendo no mundo seria a adoção de glicosaminoglicanos sintetizados quimicamente. A heparina e o heparam sulfato podem ser sintetizados quimicamente? E o condroitim sulfato?

VHP: Assim como a heparina e o heparam sulfato, o condroitim sulfato também pode ser obtido por síntese química e enzimática (ou químico-enzimática). Porém, a síntese dos dois primeiros glicosaminoglicanos é bem mais complexa, já que a heterogeneidade estrutural deles é bem maior que a do condroitim sulfato. A síntese de heparina e heparam sulfato é laboriosa e muitas das moléculas obtidas como produto apresentam estruturas diferentes daquelas consideradas como originais.

PORTAL BIOQMED: No seu artigo publicado no periódico científico Medicinal Research Reviews de 2015, o senhor descreve as vias de biossíntese celular (enzimática) e química dessas moléculas. Essas vias são bem conhecidas? No que diz respeito à síntese biológica, seria possível fazer um organismo transgênico que produzisse essas moléculas com estruturas diferenciadas tais como aquelas que possuem maior efeito biológico?

VHP: As vias de síntese enzimáticas de glicosaminoglicanos são conhecidas no mundo inteiro. E são também mais divulgadas e empregadas que aquelas baseadas em reações químicas em cadeia. Dentro da ciência dos glicosaminoglicanos, a síntese enzimática realizada em sua maioria dentro do aparelho de Golgi do citoplasma perfaz um capítulo de estudo para o entendimento da complexidade estrutural e biológica destes glicanos sulfatados. As enzimas que catalizam a biossíntese (polimerização e modificação química) dos glicosaminoglicanos são classificadas como glicosiltransferases, epimerases, deacetilase e sulfotransferases, que atuam de forma sequencial e ordenada através das cisternas do aparelho de Golgi. O conhecimento atual sobre a biossíntese de glicosaminoglicanos através destas vias enzimáticas já é suficiente o bastante para criar certos organismos, principalmente ratos e camundongos de laboratório, geneticamente modificados em relação a uma ou algumas de suas enzimas de síntese de glicosaminoglicanos a fim de produzir, em maior escala e/ou como produto principal, moléculas mais bioativas. Porém o rendimento das moléculas obtidas por estes roedores transgênicos ainda é muito pequeno e assim o mercado mundial ainda utiliza, como fonte primária, os tecidos dos animais descritos anteriormente.

PORTAL BIOQMED: Qual a resposta atual para o dilema que o senhor propõe e que é o título do seu artigo? O senhor sugeriria o emprego de moléculas sintéticas ou naturais na clínica?

VHP: No meu artigo recente do Medicinal Research Reviews, não ofereço nenhuma resposta definitiva para este dilema da terapia com moléculas sintéticas ou de origem marinha, apenas aponto criticamente as vantagens e desvantagens de cada uma, caso sejam empregadas como drogas na clínica. Contudo, as moléculas de origem sintética se apresentam com certa vantagem em relação àquelas de origem marinha. Isto acontece devido ao maior interesse de indústrias farmacêuticas multinacionais em moléculas passíveis de síntese química, visto os trâmites exigidos durante os procedimentos de regulamentação e aprovação de novos candidatos de droga ao mercado global. Além disso, síntese química laboratorial permite um maior rendimento em termos de produção se comparado às moléculas isoladas de organismos marinhos. Este fator está em consonância com a demanda mundial de glicosaminoglicanos terapêuticos. No entanto, nem sempre as rotas de síntese química conseguem produzir estruturas de glicosaminoglicanos com alta atividade biológica, e isto é ainda uma desvantagem para esta fonte alternativa de glicosaminoglicanos. É possível que no futuro, com o caminhar natural da pesquisa científica nesta área da glicobiologia, as reações químicas necessárias para a síntese de glicosaminoglianos sejam adequadas ao ponto de permitir a produção laboratorial de moléculas com alta resposta medicinal. Este futuro depende, contudo, de uma pesquisa produtiva e de alta qualidade realizada nos dias de hoje. Eu acredito que este futuro onde os benefícios clínicos e terapêuticos dos compostos glicídicos serão amplamente empregados é possível e está próximo. Neste futuro, a humanidade irá usufruir significativamente dos potenciais medicinais dos carboidratos, principalmente os glicanos sulfatados. Fico lisonjeado em poder contribuir para este futuro através de minha pesquisa realizada no Programa de Glicobiologia do IBqM da UFRJ. Sou também muito grato ao Portal do IBqM pela oportunidade de divulgar nossos horizontes aqui pela internet - a ferramenta de comunicação que acredito eu ser de maior impacto na sociedade da época atual.

DilemaVitor

Recomendamos a todos a leitura do artigo original intitulado “A Dilemma in the Glycosaminoglycan-Based Therapy: Synthetic or Naturally Unique Molecules?”no site do periódico através do endereço eletrônico: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/med.21356/full

Formato para citação:
* Pomin VH. A Dilemma in the Glycosaminoglycan-Based Therapy: Synthetic or Naturally Unique Molecules? Med Res Rev. 2015 Jul 7. doi: 10.1002/med.21356. PubMed PMID: 26152885

Por Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.

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