Publicado em 02/12/2015

Bioquímica Integrada em Humanos, o livro texto

O portal do IBqM recebeu com entusiasmo a notícia da publicação do livro texto “Integrative Human Biochemistry – A Textbook for Medical Biochemistry” de autoria da Profa. Andrea Thompson Da Poian (IBqM) em colaboração com o Professor Miguel Castanho da Universidade de Lisboa, recém-lançado pela prestigiosa editora Springer.

Como fator inovador, o livro da Profa. Andrea descreve os históricos das pesquisas científicas como referência para encaminhar e discutir diversos assuntos em bioquímica. Segundo a autora, essa é uma prática que ela sempre usou em sala de aula graças ao formato de disciplina criado pelo ilustre Prof. Leopoldo De Meis e seus alunos desde o início do antigo Departamento de Bioquímica Médica. Essa inspiração sempre perpassou as atividades dos pesquisadores de nosso instituto. Por isso, podemos dizer que o livro tem muito do Prof. Leopoldo, como bem percebeu o bioquímico e presidente da IUBMB Joan Guinovart, que escreveu o prefácio justamente apontando essa característica.

O IBqM parabeniza a Prof. Andrea e o Prof. Miguel pela importante publicação em nível internacional e convida a professora para divulgar sua publicação através da entrevista a seguir.

O livro pode ser comprado pelo site da editora Springer: http://www.springer.com/us/book/9781493930579.

productFlyerDaPoian

PORTAL BIOQMED: Como e quando surgiu a ideia de escrever um livro texto sobre Bioquímica? A senhora propôs o livro à editora ou recebeu um convite para escrevê-lo?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: A ideia de escrever o livro surgiu numa conversa com o Miguel no bar do Hotel Rafain em Foz do Iguaçu, durante um congresso da SBBq. Estávamos um contando para o outro as formas alternativas que usávamos em nossas aulas para abordar certos temas da bioquímica e sobre como achávamos que funcionava muito melhor do jeito que tínhamos desenvolvido e, certamente por causa do efeito de várias caipirinhas, decidimos que escreveríamos um livro usando essas abordagens diferentes. Depois disso, mesmo tendo passado o efeito das caipirinhas, resolvemos seguir nessa ideia louca que o Miguel em seguida apresentou para a Springer durante um congresso da FEBS.

Tivemos que fazer uma proposta formal (contendo a ideia geral, o formato e organização dos conteúdos, além de uma defesa de por que o livro valeria a pena), que foi encaminhada a alguns referees. A proposta foi avaliada e aprovada pela Springer, que então nos contratou. Assim, começamos de fato a escrever. Depois de o manuscrito estar pronto, a Springer o enviou para mais quatro referees, que fizeram críticas (super positivas! - o que nos deixou muito felizes!!) e algumas sugestões que então incorporamos na versão final.

 

PORTAL BIOQMED: A senhora divide a autoria deste livro com o professor português Miguel Castanho. Você poderia nos dizer como foi escrever esse livro em colaboração? Como as tarefas foram divididas e como vocês se organizaram para escrever um livro de mais de 400 páginas?!

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: O que fizemos foi dividir os capítulos entre nós dois, ele ficando com a primeira parte (5 primeiros capítulos) e eu com a segunda (6 capítulos restantes), de acordo com nossa maior experiência didática e área de atuação. Depois de escrevermos, um lia o que o outro escrevia e fazia sugestões. Foi muito trabalho durante 4 anos!!! Acho que nunca estudei tanto em toda a minha vida!

 

PORTAL BIOQMED: Sabemos que há vários livros-textos clássicos na área que são utilizados pelos estudantes, como o Lehninger (Princípios de Bioquímica) e o Stryer (Bioquímica). Qual o enfoque e o diferencial deste livro que vocês acabam de publicar?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: O livro é bem diferente de todos os que há no mercado. Por isso resolvemos escrevê-lo. Posso elencar alguns aspectos, a começar pelo que o próprio título diz. O objetivo principal é apresentar a bioquímica contextualizada, e não como uma série de vias metabólicas isoladas. Para fazer isso, tínhamos que escolher um organismo, e então nos focamos na bioquímica humana. Assim, as vias metabólicas são apresentadas dentro de contextos fisiológicos.

Por exemplo, um dos capítulos é sobre as adaptações do metabolismo à hiperglicemia. Nele começamos com a digestão dos nutrientes, seguindo para o sensing da concentração sanguínea de glicose pelos diferentes tecidos. Aí mostramos como isso regula a secreção de insulina e descrevemos sua ação nos diferentes tecidos. Assim podemos apresentar as vias de biossíntese dentro de um contexto: a síntese de glicogênio no fígado e no músculo, com suas particularidades em cada tecido; da mesma forma a síntese de lipídeos no fígado é também apresentada assim como o transporte dos lipídeos para o tecido adiposo. No contexto da síntese de lipídeos, cabe introduzir a via das pentoses fosfato. Em seguida fica mais fácil integrar o metabolismo de vários órgãos nessa situação fisiológica. O mesmo é feito para as adaptações à hipoglicemia ou ao exercício físico, assim como no contexto do controle do peso corporal, puxando aí para as doenças metabólicas modernas. Cada capítulo sempre apresentando as vias de maior relevância para a adaptação à situação, assim como os hormônios envolvidos e seu mecanismos de ação. Mas para chegar aí temos capítulos iniciais nos quais abordamos os dois mecanismos básicos de síntese de ATP (fosforilação ao nível do substrato e fosforilação oxidativa) e as vias do catabolismo pelas quais os diferentes nutrientes são usados para tal.

Outro ponto diferencial é que sempre apresentamos as principais descobertas com seu contexto histórico, contando um pouco a história dos cientistas envolvidos e os experimentos chave que eles realizaram. Muitas vezes eles são representados como caricaturas (veja a seguir).

Além disso, sempre incluímos caixas nas quais falamos de particularidades, aplicações clínicas ou implicações do que é apresentados num contexto quando determinada via metabólica também pode operar em outra situação, por exemplo.

 

PORTAL BIOQMED: No sítio onde está abrigado seu livro "http://www.springer.com/us/book/9781493930579#aboutBook" existe a informação de que ele provém representações realistas das moléculas por todo o livro. O que a senhora quer dizer com isso?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: O que isso quer dizer é que sempre que possível recorremos ao Protein Data Bank para recriar as estruturas das proteínas e enzimas relevantes para o que estamos apresentando. Assim, muitas vezes mostramos aspectos moleculares que não tinham sido mostrados desta forma em outros livros-texto.

 

PORTAL BIOQMED: Alguns snapshots do livro estão disponíveis no sítio acima e mostram que o livro parece ser ricamente ilustrado. Como foram pensadas e realizadas as ilustrações presentes na obra?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: Isso foi uma parte muuuiiiito difícil, certamente o maior gargalo de todo o processo. De início a Springer nos ofereceu ilustradores, mas na verdade eles só sabiam copiar, não tinham nenhuma formação biológica ou científica, e não tinham a menor condição de criar as figuras que queríamos. Com isso tivemos que contratar ilustradores, mas descobrimos que profissionais que conjuguem conhecimento biológico e habilidades gráficas são raríssimos no mercado, mesmo mundial. Contratamos ao longo do processo duas empresas que não deram conta do recado. Depois de uma tentativa meio amadora que também não deu certo, nos caiu do céu (por indicação do Roberto Lent) um rapaz (Julio Xerfan) formado em design que atualmente é aluno da medicina. Ele absorveu a ideia do livro e conseguiu criar o que precisávamos. Trabalhou muito bem, conciliando seus horários pesados de estudante de medicina com a nossa pressão por acabar o livro. O resultado ficou muito bom!

 

PORTAL BIOQMED: O livro parece ter sido escrito em inglês, certo? Imaginamos que seria interessante ter uma versão de sua obra traduzida para o português. Esse interesse existe? Ou a senhora acha que os alunos das áreas científicas deveriam se esforçar para ter uma melhor compreensão da língua inglesa?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: Como materializamos a ideia de escrever o livro já com a Springer, já começamos escrevendo em inglês. Vimos inclusive que essa opção foi bem mais fácil, pois quando paramos para prestar atenção nos demos conta de quantos termos são diferentes em português do Brasil e de Portugal, o que inviabilizaria escrevermos um livro para os dois públicos em português. Alguns poucos exemplos de termos em português de Portugal já ilustram isso: ácidos gordos (ao invés ácidos graxos), azoto (ou invés de nitrogênio), além de protão ou electrão, ou péptidos, lípidos, glícidos, e por aí vai... Além disso, em Portugal, como em toda a Europa, todos os livros usados são em inglês, e um livro em português seria somente uma restrição de mercado. Assim, só faria sentido um livro em português no Brasil, o que de qualquer forma implicaria em haver alguma editora interessada em editá-lo e distribuí-lo aqui. Mas sinceramente não sei se vale a pena correr atrás disso. E eu mesma não sei se teria fôlego para traduzir tudo. Na verdade, tendo achar que no mundo de hoje os alunos daqui precisam aprender inglês.

 

PORTAL BIOQMED: Qual a dica a senhora daria para os estudantes e cientistas mais novos que também queiram ter obras editadas? Quantas pessoas efetivamente colaboraram para a realização do livro e qual foi a tarefa de cada uma delas? O que foi mais importante em todo esse processo?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: Eu acho que cada caso é um caso. Já editei outros dois livros, nos quais os capítulos foram escritos por várias pessoas. Foi um trabalho bem diferente.

Neste caso, foi inicialmente um trabalho meu e do Miguel apenas. Depois (já no final) veio a saga das figuras, que só se resolveu, como já disse, no final, e que envolveu três pessoas: o Julio, que foi o ilustrador propriamente dito, a Fabiana Carneiro (hoje professora em Xerém), que preparou as estruturas de proteínas a partir dos arquivos do pdb, e o Bruno Vieira (desenhista que fez doutorado com o Leopoldo), que fez caricaturas dos cientistas que quisemos representar no livro (optamos por isso ao invés das tradicionais fotos).

Quando o manuscrito estava quase pronto, demos alguns capítulos para alguns colegas lerem e opinarem. Isso foi bom para nos dar alguma segurança sobre o que tínhamos. E ao final de tudo, pedimos ao Franklin para revisar todo o texto, principalmente o inglês, mas também o formato e o conteúdo.

Mas como dica o que eu diria é que se você tem uma ideia inovadora e acredita nela, você deve levá-la adiante.

 

PORTAL BIOQMED. Sabemos que a comunidade científica está toda preparada para a divulgação do conhecimento na forma de artigos, mas sabemos que os livros são também importantíssimos para difundir os conhecimentos. Como a senhora vê a relação entre o livro-texto e os artigos científicos? Cada capítulo de seu livro poderia ser considerado um artigo de revisão sobre um tema amplo ou essa correlação não procede? Qual a diferença na linguagem que um autor deve ter ao escrever um livro ou um artigo científico? A escrita de um livro texto está mais perto da escrita de um artigo científico ou de um artigo de divulgação científica?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: Os capítulos não são nem uma revisão do tema nem o equivalente a um artigo de divulgação. Acho que a linguagem de um livro é muito diferente dos dois. Há profundidade, mas sem ser tão específico como uma revisão. E há um diálogo com o leitor. Do jeito que escrevemos, cada capítulo é uma história sendo contada, na qual através das principais descobertas (e da história dos próprios descobridores) os conceitos chave são apresentados e os mecanismos bioquímicos são descritos (por exemplo, todas as vias metabólicas estão lá, mas não estão isoladas). Um dos referees gostou muito disso. Ele disse em seus comentários: "This way of writing is quite original, never seen anything like this (...) it is like if you are watching a movie!", o que nos deixou bem contentes!

 

PORTAL BIOQMED: Finalmente, o livro está custando 90 dólares no sítio da Springer. Com a crise, talvez fique difícil para os brasileiros comprarem sua obra... Será que a senhora teria alguma quantidade deles para vender com desconto? Vocês vão fazer algum evento para lançar oficialmente o livro? O evento será aberto à comunidade?

PROFESSORA ANDREA DA POIAN: Investimos muito trabalho (e dinheiro, incluindo o nosso próprio, um auxílio da pós-graduação e do Instituto do Miguel, em Lisboa) para o livro sair. A Springer determina o preço e não podemos fazer nada em relação a isso. Eu mesma só terei direito a dois exemplares. Escrevemos porque achamos que estávamos contribuindo com o ensino de bioquímica. Essa questão financeira não está no nosso controle. Mas não sei se 90 dólares é tão caro assim para um livro-texto de mais de 400 páginas...

Faremos um lançamento (na verdade, uma comemoração, pois não poderemos vender livros) no dia 15/12, a partir das 19hs no Bistrô (antigo Espaço Multifoco), na Rua Mem de Sá 126, na Lapa. Estão todos convidados!!! O que conseguimos da Springer foi que eles emitissem um flyer para ser distribuído nesse lançamento dando 20% de desconto na compra pelo site.

 

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Recomendamos fortemente a leitura do livro “Integrative Human Biochemistry” no site da editora através do endereço eletrônico: http://www.springer.com/us/book/9781493930579

Formato para citação:* Da Poian, AT and Castanho, MAR. Integrative Human Biochemistry: A Textbook for Medical Biochemistry. Springer: Springer-Verlag New York. ISBN 978-1-4939-3057-9. 1st ed. 2015, 421 p.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.