Publicado em 23/02/2018

Mecanismos de resistência a fármacos em Leucemias

A Leucemia Mielóide Crônica (LMC) é um tipo de câncer causado por uma mutação que acomete o gene Bcr-Abl, ocasionando a ativação de uma proteína chamada Bcr-Abl tirosina cinase. A ativação dessa proteína induz ao acúmulo descontrolado de granulócitos presentes na medula óssea e, consequentemente, leva ao extravasamento e disseminação dessas células para o sistema sanguíneo. Mais recorrente em adultos e idosos, a LMC é responsável por cerca de 20% das leucemias que atingem os pacientes diagnosticados, não possuindo ainda tratamento totalmente eficaz. Utilizado como principal tratamento para LMC, o mesilato de imatinibe (um inibidor de tirosina cinase) não demonstra total eficácia sobre as células cancerígenas e portanto permite a reincidência da doença em aproximadamente 40% dos pacientes.

Um estudo assinado por um grupo de pesquisadores liderados pela Dra. Raquel Maia e pela Profa. Vivian Rumjanek (IBqM) e publicado pelo periódico "Molecules" em 7 de Janeiro de 2018, explorou e discutiu abordagens na literatura que descrevessem melhor as atividades das vias que implicam na eficácia de alguns fármacos em pacientes com LMC.

 

A glicoproteína P e suas implicações na resistência à fármacos em LMC

 

Neste trabalho intitulado "Towards of the ABCB1/P-Glycoprotein Role in Chronic Myeloid Leukemia" mostrou-se que, embora o mesilato de imatinibe seja o tratamento mais utilizado para tratamento da LMC, mutações nos genes Bcr-Abl (como as decorrentes de substituições nos resíduos 315 dos genes de treonina) são responsáveis por conferirem alta resistência a este e outros fármacos, interferindo na cura do tratamento de LMC.

Alguns fatores independentes dessas mutações também foram apontados como causas principais do insucesso do tratamento em pacientes com LMC, como o transporte de nanovesículas para fora das células neoplásicas contendo IL-8 (interleucina 8) -- que contribui para proliferação dessas células e serve também como diagnóstico para a doença. Além disso, a resistência a múltiplos fármacos ocorre através de mecanismos de transportadores de membrana de efluxo, que atuam naturalmente nos processos de proteção contra xenobióticos no organismo.

As proteínas de efluxo pertencem a classe de transportadores ABC (ATP-binding Cassette), sendo a Glicoproteina P (Pgp) um importante membro dessa família. Ela atua como uma barreira seletiva na membrana, bombeando o fármaco para fora da célula a fim de protegê-la de danos bioquímicos e físicos. Adicionalmente, a expressão da Glicoproteína P tem sido relatada pelo seu envolvimento em vias apoptóticas e de resistência ao mesilato de imatinibe em pacientes com LMC.

De acordo com o estudo, a Gliproteína P funciona promovendo o bombeamento dos inibidores da proteína tirosina cinase para o meio extracelular, propiciando a diminuição da concentração do fármaco dentro da célula.

Todavia, havendo diminuição do efluxo Glicoproteína P causado por alguns nucleotídeos polimórficos, se observa um aumento da concentração do fármaco intracelularmente, que por sua vez induz a expressão da transcrição de RNAm da Glicoproteína P.

Nessa cadeia de eventos bioquímicos, a Glicoproteína P atua inibindo a apoptose celular através de vias dependentes das IAPs (proteínas inibidoras de apoptose), ativando vias que liberam nanovesículas para o meio extracelular, que irão transferir seu conteúdo oncogênico para as células vizinhas, permitindo assim a proliferação e sobrevivência de células cancerígenas.

Além de esclarecer todas essas questões, o estudo aborda novas estratégias que vem sendo investigadas pela ciência a fim de contornar esses mecanismos de resistência. A revisão cita que a curcumina, um fitoquímico com propriedades antibacterianas e antitumorais e que é também um tempero, vem apresentando resultados confiáveis em estudos in vitro. Outra estratégia muito atrativa é a molécula LQB-118, uma pterocarpanquinona que apresenta efeitos antioneoplásicos. Nesse estudo os autores exploram a importância da Glicoproteína P, que está intrinsecamente ligada aos resultados de resistência aos tratamentos em estudos clínicos de pacientes com LMC, contribuindo com o apoio e avanço dos estudos na área oncológica.

 

ibqm

 

A professora Vivian aceitou responder algumas questões de seu artigo para o nosso Portal! Leia a seguir!

 

PORTAL BIOQMED. Bom dia, Professora Vivian! Qual o impacto da expressão do ABCB1/Pgp sobre a farmacocinética dos fármacos utilizados no tratamento de pacientes com LMC? É correto afirmar que os níveis da glicoproteína P aumentam com o desenvolvimento da doença? Por que isso acontece?
PROFESSORA VIVIAN RUMJANEK. Os inibidores de Tirosina Cinase (TKIs) utilizados na LMC são substratos da glicoproteína P, mas não existe uma relação linear entre expressão de PgP e resposta. Apesar de ainda ser um pouco controverso, as evidências tendem a apontar para uma um aumento de expressão na progressão da doença.

 

PORTAL BIOQMED. Seu artigo cita o trabalho que tem sido realizado pelo seu grupo com o composto LQB-118. Como esse composto atua sobre a resistência a múltiplas drogas em pacientes com LMC? Há pouco tempo seu grupo estava pesquisando se esse composto era racêmico ou não... Quais os novos dados obtidos deste estudo em andamento?

PROFESSORA VIVIAN. A LQB-118 não é um substrato da Pgp. O mecanismo de ação ainda está sob investigação. A LQB-118 é uma mistura racêmica, mas a separação indicou que o efeito era mantido.

 

PORTAL BIOQMED. Por fim, quais as relações existentes entre as proteínas de efluxo e as proteínas inibidoras de apoptose? E qual a relevância das microvesículas que são transferidas de células resistentes aos fármacos para as células que não são resistentes? Qual a associação com as glicoproteínas P?

PROFESSORA VIVIAN. Existem evidências de que algumas IAPs estão aumentadas concomitantemente ao aumento de Pgp, mas certamente este não é o único mecanismo de resistência visto que mesmo células em que a expressão de determinadas IAPs foi inibida, a resistência persiste. As micropartículas produzidas por células resistentes são capazes de transportar e transferir Pgp para outras células, além de micro RNAs e IAPs (inibidores de apoptose). Células sem Pgp passam a expressar essa proteína.

VivianPortal2018

Créditos da figura: Thaís Fontenelle C. Leme

Recomendamos fortemente a leitura do artigo ”Towards Comprehension of the ABCB1/P-Glycoprotein Role in Chronic Myeloid Leukemia” no site do periódico através do endereço eletrônico: http://www.mdpi.com/1420-3049/23/1/119

 

Formato para citação:

* Maia RC, Vasconcelos FC, Souza PS, Rumjanek VM. Towards Comprehension of the ABCB1/P-Glycoprotein Role in Chronic Myeloid Leukemia. Molecules. 2018 Jan 7;23(1). pii: E119. doi: 10.3390/molecules23010119. Review. PubMed PMID: 29316665.

 

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.