Publicado em 09/03/2016

Estudos biofísicos revelam informações estruturais sobre proteína envolvida com câncer e neurodegeneração

No dia 18 de Setembro de 2015, a revista científica mais ampla do grupo PLoS, a PLoS ONE, publicou o artigo intitulado: “Biophysical Studies on BEX3, the p75NTR Associated Cell Death Executor, Reveal a High-Order Oligomer with Partially Folded Regions“. Escrito e realizado por um grupo de pesquisa contendo vários alunos e professores do IBqM, o trabalho foi liderado pelo Prof. Marcius Almeida.

Este é o primeiro estudo que descreve as características estruturais para um dos 5 membros da família BEX (Brain expressed X-linked), a proteína BEX3. Os membros dessa família de proteínas são expressos no cérebro e estão associados com proteínas das vias de sinalização envolvidas na neurodegeneração e câncer.  De modo paradoxal, a proteína BEX3 parece estar envolvida simultaneamente com a morte e a sobrevivência celular.

Os primeiros estudos sobre a BEX3 mostraram que esta proteína interage com o domínio intracelular do receptor de neurotrofinas p75 (p75NTR) atuando na via de sinalização celular para apoptose. Além disso, embora essa proteína BEX3 seja encontrada no citoplasma, estudos evidenciaram que ela pode ligar ao DNA genômico e funcionar como um regulador negativo do gene da ciclina E. Recentemente, foi observado que a forma dimérica da BEX3, quando transportada para o núcleo, é importante na regulação da expressão de outro receptor de neurotrofinas, o Trk A, e que a ativação desse receptor pelo NGF leva a diferenciação e sobrevida neuronal.

Esses achados demonstram a importância de se estudar e compreender a função celular da BEX3. Para isso é importante conhecer sua estrutura tridimensional. O único relato estrutural conhecido para esta proteína sugeria a presença de regiões intrinsecamente desordenadas, o que é recorrente para proteínas ligadas com doenças neurodegenerativas e câncer. Outros estudos relataram que a BEX3 é um fator indutor de neurodegeneração após hipóxia, um dos efeitos após acidente vascular cerebral, assim como o fato de serem altamente expressas em algumas linhagens de câncer.

Neste trabalho, o grupo liderado pelo Professor Marcius sugere – através de vários experimentos que identificam sua estrutura 3D – que a proteína existe em solução como um oligômero bem definido e altamente ordenado, mesmo sendo caracterizada como uma proteína intrinsecamente desordenada. Neste estudo identificou-se uma região compacta de hélice alfa entre os resíduos de aminoácidos 78-120 que é resistente à proteólise. Com a técnica de Ressonância Nuclear Magnética o grupo mostrou que em solução, a BEX3 está em equilíbrio entre dois tipos de oligômeros e uma forma monomérica que é mais abundante. Esse estudo mostrou também que a BEX3 possui características de uma proteína globular uma vez que apresenta um centro hidrofóbico resistente à proteólise.

Gostaríamos de parabenizar o Prof. Marcius e convidá-lo a responder 3 questões sobre seu trabalho.

PORTAL BIOQMED. Como o senhor chegou à proteína BEX3 e qual a importância de conhecer a estrutura 3D dessa proteína?

PROF. MARCIUS ALMEIDA. A BEX3 é uma das centenas de proteínas humanas negligenciadas. O fato de esta estar associada ao câncer, inferido através de dados genômicos, e mesmo assim não ser estudada, aguçou meu interesse em meados do ano 2001. Desde então poucos trabalhos foram publicados, mas foi o suficiente para reforçar a influência desta no câncer e com processos neurodegenerativos. Todos estes temas me interessam muito e a união deles (proteína negligenciada relacionada ao câncer e a neurodegeneração) foi como um presente para mim. Sei da importância do estudo da estrutura 3D para compreender a fundo o mecanismo de ação de biomoléculas e para abrir caminho para o desenvolvimento de terapias mais eficazes. A caracterização da estrutura da BEX3 realizada pelo nosso grupo também foi uma bela surpresa, pois nos deparamos com uma estrutura ainda pouco compreendida que foge aos modelos clássicos de estrutura de proteína globular. Precisamos aprender a lidar com esse tipo de molécula não usual e nos esforçamos muito mais do que imaginávamos para caracteriza-la. Nossos dados mostram características raras que são fundamentais para a compreensão do mecanismo de ação desta proteína e para possíveis intervenções contra doenças ligadas ao envelhecimento. Considero esta proteína uma “joia rara”.

PORTAL BIOQMED. No seu trabalho, o senhor diz que a estrutura da proteína pode ser considerada como intrinsecamente desordenada. Entretanto, o senhor mostra também que há um centro hidrofóbico altamente ordenado na proteína. Não seria uma contradição afirmar que ela é desordenada e ordenada ao mesmo tempo?

PROF. MARCIUS ALMEIDA. Esta é uma das contradições que fazem valer a pena fazer ciência. Quando nos deparamos com os primeiros dados, identificamos a BEX3 como uma proteína intrinsecamente desestruturada, uma forma rara de estrutura que muitos não se aventuram estudar devido a sua grande complexidade.  Quando identificamos um oligômero estável com centro hidrofóbico similar a proteínas globulares nos conscientizamos que tínhamos algo ainda mais relevante. Este é o precioso risco que você corre como cientista ao buscar um modelo de estudo “fora dos holofotes”. Tivemos que superar esta contradição no meio cientifico e agradeço muito aos meus colaboradores (principalmente os co-autores do trabalho) por terem acreditado e estimulado para irmos adiante com algo fora do normal.

Ser um oligômero específico e ainda conter regiões desestruturadas tem muito a ver com a função de ser um centro de conexão para sinalização celular que é vital para a célula. Devido a sua plasticidade estrutural, as Proteínas intrinsecamente desestruturadas podem interagir com diversas biomoléculas, como exemplo da proteína p53, que já vem sendo estudada há muito tempo devido sua relação com o câncer (existem mais de 127 mil artigos científicos publicados que pelo menos mencionam esta proteína). Além disso, proteínas deste tipo são alvos terapêuticos interessantes, pois possuem vários pequenos módulos de interação passível de sofrer intervenção. A organização desta proteína em oligômeros parece resguardar ela de ser degradada. Isto segue contra modelos descritos onde a oligomerização é um processo patológico, como no caso da proteína alfa-sinucleina.

PORTAL BIOQMED. Por que o senhor escolheu publicar esse trabalho na revista PLoS ONE e como o senhor conseguiu os US$1500,00 (quase R$6.000,00!!) necessários para pagar essa publicação? O senhor concorda com os altos preços cobrados pelas revistas internacionais para a publicação de artigos? O senhor não preferiria gastar esse dinheiro comprando reagentes para avançar o trabalho experimental? O senhor está de acordo que as editoras internacionais lucrem com a publicação de artigos financiados com o dinheiro público?

PROF. MARCIUS ALMEIDA. Estas são questões filosóficas. Eu procurei uma revista cientifica moderna, com corpo editorial composto por pesquisadores muito bem conceituados e que disponibilizasse gratuitamente os artigos publicados nela. Esta última característica representa um grande avanço na ciência que segue contra a prática adotada pela grande maioria das revistas cientificas. Além disso, no nosso caso trabalhamos com uma proteína desconhecida, o que naturalmente causa um desinteresse do público e por isso acaba sendo menos atraente para ser publicado. Não desmereço outros trabalhos ou até mesmo revistas que tratam de temas muito bem abordados, mas não é raro que estudos em modelos menos conhecidos, se tornem referência por serem os primeiros e sei que esta revista preza por este tipo de trabalho. Tive ótima oportunidade de trabalhar e encontrar pesquisadores muito bem sucedidos e todos eles me mostraram este lado da ciência.

A PLoS ONE, assim como outras revistas, pede uma ajuda de custo para publicação que considero ser importante para manutenção de sua estrutura. Infelizmente tive que pagar a publicação com meu dinheiro pessoal, pois houve um grande corte de verba disponibilizada para a pós-graduação, que arcava com estes custos para publicação de artigos com autoria de alunos de mestrado ou doutorado em revistas seletas. Reitero que considero este um investimento para terceirização da divulgação do trabalho desenvolvido pelo meu grupo, divulgação esta que acho muito bem feita pela revista.

Por outro lado, a cobrança de acesso aos artigos, pratica da maioria das revistas inclusive das revistas de “maior prestigio”, certamente é um passo contra a ciência. Estas revistas, muitas vezes ótimas cientificamente, são também ótimos negócios para gerar lucros imensos para seletos grupos especializados em publicação cientifica. Este modelo antiquado existe desde a era da divulgação por meio exclusivamente impresso, pois os pesquisadores e agências de fomento ainda apostam no prestigio destas revistas e pagam para ter acesso. Gosto de mencionar que um colaborador meu que foi agraciado com o Prêmio Nobel publicou seu artigo mais importante em uma revista “fora dos holofotes”.

Publicar em revistas supervalorizadas é uma forma de mérito, que é importante para uma área que influencia gerações pelas suas descobertas. Porém, ao aceitarmos a prática destas revistas de cobrarem pelo acesso, acabamos fomentando a comercialização da divulgação científica. Como falei esta questão filosófica envolve um negócio, no caso as editoras, que certamente querem maximizar seu lucro. Ao pagarmos para publicar, pagarmos para ler e ainda pagarmos para fazer propaganda nestas revistas, nós pesquisadores continuaremos responsáveis pela perpetuação deste mercado.

Adotar práticas modernas de divulgação da ciência, como livre divulgação e discussão de resultados na Internet para mim é o caminho do futuro. A exemplo disso está o grupo Research Gate.

MarciusPortalFinal

Recomendamos fortemente a leitura do artigo Biophysical Studies on BEX3, the p75NTR Associated Cell Death Executor, Reveal a High-Order Oligomer with Partially Folded Regions no site do periódico através do endereço eletrônico: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0137916

Formato para citação:

* Cabral KM, Raymundo DP, Silva VS, Sampaio LA, Johanson L, Hill LF, Almeida FC, Cordeiro Y, Almeida MS. Biophysical Studies on BEX3, the p75NTR-Associated Cell Death Executor, Reveal a High-Order Oligomer with Partially Folded Regions. PLoS One. 2015 Sep 18;10(9):e0137916. doi: 10.1371/journal.pone.0137916. eCollection 2015. PubMed PMID: 26383250; PubMed Central PMCID: PMC4575080.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.