Aluno do IBqM é contemplado com o Prêmio CAPES de Teses – Edição 2017
PORTAL BIOQMED. E existem dados de pacientes que tem DA e diabetes em que, de alguma forma, os antidiabéticos funcionam para melhorar a memória na prática?
MYCHAEL LOURENÇO. Essa é uma ótima pergunta! Dependendo da classe de medicamento antidiabético existem dados (ou não). O medicamento mais comum é a metformina, cujos dados da literatura são conflituosos, uma vez que há quem diga que ela funciona -- e há quem diga que não. Mas os primeiros testes clínicos melhor organizados estão sendo feitos agora para confirmar se realmente existe uma neuroproteção por esses medicamentos antidiabéticos. Essa história molecular é muito nova, ela tem no máximo 9 anos. Por isso, até chegar ao teste clínico, está demorando um pouco.
PORTAL BIOQMED. E vocês chegaram a realizar estudos se uma doença podia induzir a outra?
MYCHAEL LOURENÇO. Sim. Existem dados epidemiológicos na literatura mostrando que pacientes com diabetes têm mais chances de desenvolver DA e pacientes com DA têm alterações periféricas que são características do diabetes periférico. Nosso laboratório também mostrou anteriormente que a insulina parece ter um papel protetor em DA.
PORTAL BIOQMED. Os outros antidiabéticos também funcionam da mesma forma? Vocês testaram?
MYCHAEL LOURENÇO. Sim, testamos. Inclusive, isso é parte do projeto de doutorado de outro aluno, no qual mostra que esses outros agentes antidiabéticos também atuam de forma similar. Mas isso não é tudo, porque essa proteção não é total, não são todos os oligômeros que deixam de ligar. Por outro lado, existe um estímulo de sinalizações que são conhecidas por facilitarem a memória. Então, a sinalização por AMP cíclico e atividade de PKA são importantes para que se tenha formações de memórias... e a irisina estimula a sinalização por AMP cíclico. A liraglutida, um medicamento antidiabético, atua da mesma forma. Um trabalho anterior do laboratório mostrou que a insulina, embora não ative AMP cíclico, é importante para a memória. Tentamos testar essas abordagens antidiabéticas com estimulantes de memória pró-cognitivos.
PORTAL BIOQMED. Estamos interessados em conhecer um pouco mais sobre sua trajetória acadêmica, você começou aqui na UFRJ?
MYCHAEL LOURENÇO. Sim, eu fiz biologia na UFRJ e desde meu primeiro período na graduação iniciei iniciação científica. Eu fiz um estágio curto antes e na época trabalhava com diferenciação de células tronco neurais, logo depois mudei de estágio e vim para o laboratório do Prof. Sergio Ferreira, onde comecei trabalhando com caracterização estrutural de neurônios. No mestrado, continuei no laboratório do Prof. Sergio Ferreira sendo orientado por ele e pela Profa. Fernanda De Felice (IBqM). Nós começamos a investigar mecanismos relacionados ao estresse celular, ao estresse do retículo endoplasmático e à resistência à insulina induzidos em modelos de DA. Meu trabalho do mestrado foi realizado em cultura de células de neurônios primários. Nele também começamos algumas tentativas de fazer experimentos em animais. Mas foi somente durante meu doutorado que consegui concluir meu trabalho de mestrado, que inclusive faz parte da minha tese. Tivemos, em 2013, um artigo publicado na Cell Metabolism, que foi escolhido para a capa da revista e que nos deixou muito orgulhosos! Nesse período, concluí o trabalho que comecei durante o mestrado e continuei com o trabalho do exercício e da irisina. Agora estamos tentando publicar esse artigo.
Estou no IBqM desde minha iniciação científica (em 2008/2009) e sou muito feliz por ter sido orientado pelo Prof. Sergio e pela Profa. Fernanda. O laboratório é muito interessante porque não é tão grande. Temos pessoas de origens diversas e essa interação com as pessoas foi muito importante para minha formação científica; e ainda é. Defendi meu doutorado em Março de 2016 e continuo aqui no meu pós-doutorado. Durante o doutorado, tive a oportunidade de passar alguns meses em um laboratório em Nova York. Essa foi uma experiência excepcional para que eu pudesse estar aqui hoje e pudesse otimizar minha forma de pensar e de fazer ciência. Eu me sinto muito estimulado pelo IBqM, pelo Prof. Robson Monteiro, em participar de congressos internacionais. Em alguns deles, eu fui selecionado para fazer apresentações orais, o que me deu uma experiência interessante. Também colaborei com outros trabalhos aqui do IBqM e fico feliz que esses trabalhos, especialmente os que liderei, têm sido reconhecidos internacionalmente com prêmios, citações e destaques. Foi esse ambiente único que me proporcionou isso!
PORTAL BIOQMED. Quais pessoas contribuíram com o desenvolvimento do seu trabalho e tese?
MYCHAEL LOURENÇO. Obviamente tenho que falar os meus orientadores, o Prof. Sergio e a Profa. Fernanda sempre foram excepcionais para que esses trabalhos fossem realizados: devo muito a eles! Tenho muito a dizer também do Prof. Robson, que foi um coordenador muito proativo e muito interessado em ajudar os alunos. Ele sempre me estimulou a resolver os problemas a tempo. O Prof. Claudio Masuda foi meu revisor de dissertação de mestrado e foi essencial pelas discussões que tivemos. Acredito que o Prof. Claudio é um cientista com um pensamento muito interessante. O Prof. Mário, que faleceu recentemente, era diretor do IBqM, e também ele sempre me estimulou e me convidou para várias iniciativas do instituto. Ele tinha uma visão muito abrangente da ciência.
PORTAL BIOQMED. Em relação às experiências adquiridas, quais foram as que você vai guardar?
MYCHAEL LOURENÇO. O doutorado foi um período muito interessante para mim. Sei que ele pode ser tenso para algumas pessoas, mas sempre digo para os meus colegas que eu me diverti durante meu doutorado. Foi uma época de muito trabalho, mas sempre busquei me formar como um pesquisador mais completo me inspirando em pessoas que considero ótimos cientistas, tentando identificar quais qualidades e habilidades essas pessoas possuíam a fim de aprender. Além de saber desenhar bem um experimento científico, que considero essencial, procurei participar de tarefas burocráticas e administrativas porque sabemos que os docentes devem saber disso muito bem. Assim, procurei também aumentar minha rede de colaborações até mesmo com pessoas que trabalhavam em campos diferentes. Participei de congressos internacionais porque sabemos que são essenciais para gerarmos trabalhos mais interessantes. Trabalhei muito experimentalmente e fiz muitas disciplinas, mas considero que a formação além da bancada tenha sido particularmente importante.
PORTAL BIOQMED. E quais as maiores dificuldades encontradas?
MYCHAEL LOURENÇO. Acredito que os cientistas no Brasil são muito capazes, embora tenhamos muita dificuldade técnica e financeira. Temos pouco dinheiro para fazer ciência e muita dificuldade em importar reagentes. A maior dificuldade que tive foi me propor a fazer a melhor ciência possível com o pouco que tinha e às vezes tentar quebrar barreiras para fazer o que não tinha, mesmo que fosse através de uma colaboração internacional.
Acredito que não podemos olhar para os artigos publicados por núcleos de universidades como Harvard em periódicos de alto impacto e dizer "Não podemos fazer isso"... Foi isso que aprendi em meu doutorado: que devemos tentar fazer isso de alguma forma, utilizando as melhores técnicas e abordagens, mesmo que tenhamos que gastar o dobro, ou triplo de energia. Chegar no ponto de conseguir ir até o limite do que o nosso dinheiro impõe foi minha maior dificuldade.
PORTAL BIOQMED. Em relação à dificuldade do apoio financeiro, isso refletiu em seus resultados obtidos de alguma forma ou você realmente conseguiu driblar essas dificuldades?
MYCHAEL LOURENÇO. Eu fui muito feliz e sortudo de estar no meu doutorado em um período em que o financiamento estava indo muito bem. O financiamento no Brasil nunca se comparou ao de países como EUA, mas tínhamos um apoio financeiro que me permitiu ousar um pouco mais. Atualmente a situação é o oposto disso, os recursos estão cada vez mais escassos e isso torna nossa pressão pelo financiamento maior... e também aumenta nossa criatividade para continuar fazendo ciência boa com o que temos! Precisamos ser mais criativos ou, no mínimo, sagazes para estabelecer a rede de colaborações que precisamos e não deixarmos o trabalho parar. Com isso não estou dizendo que estamos fazendo a ciência de melhor qualidade do mundo, mas estamos fazendo o melhor que conseguimos com o pouco dinheiro que temos. Mas não foi somente o dinheiro que ajudou, o espírito colaborativo do ambiente do laboratório também foi essencial. O próprio IBqM tem esse espírito colaborativo como um todo. Eu falo com muito orgulho que nosso trabalho publicado na capa da Cell Metabolism foi feito 80% no Brasil. Isso é muito bom porque mostramos que conseguimos fazer ciência que é internacionalmente aceita e interessante!
PORTAL BIOQMED. E você ficou surpreso com o prêmio CAPES? Qual a importância desse prêmio?
MYCHAEL LOURENÇO. Eu realmente fiquei surpreso! Primeiro com a indicação da pós-graduação e ainda mais com o resultado: nós ganhamos! Eu vi vários colegas de muitas partes do Brasil com trabalhos muito bons, também frutos desse momento favorável na ciência que tivemos no Brasil. Hoje tenho vários amigos fora do país que estão fazendo pós-doutorado ou estabelecendo seus próprios laboratórios. Com isso vemos que a capacidade dos brasileiros é muito boa. Acredito que a premiação da CAPES foi um reconhecimento interessante. Foi fruto de um trabalho duro que estabelecemos nos últimos anos. É uma premiação que pode me dar mais oportunidades por que quero continuar trilhando esse caminho científico pele resto da minha vida.
PORTAL BIOQMED. Qual diferencial você acredita que o seu trabalho tinha e que o permitiu ganhar o prêmio?
MYCHAEL LOURENÇO. Essa é uma pergunta difícil de responder, eu sei que é um prêmio muito concorrido, existem diversas pós-graduações excelentes no Brasil. Mas um diferencial da minha tese é exatamente a tentativa de trabalhar com a questão translacional, ou seja, a gente sai desde a cultura de células e tentamos aproximar o máximo possível da patologia humana. Realizamos trabalhos que requerem desde experimentos bioquímicos até a utilização de material de pacientes com DA. E como felizmente tivemos destaque internacional por esses trabalhos, isso acabou sendo reconhecido pela CAPES. A notoriedade das revistas que os trabalhos foram publicados foi uma questão de sorte também. Não basta você somente achar que é bom, porque tem muita gente boa ao nosso redor que infelizmente não tem muita sorte em chegar nesse nível, então acho que foi um conjunto de coisas. Mas principalmente acredito que a capacidade translacional desse trabalho foi reconhecida pela CAPES.
PORTAL BIOQMED. E quais são as perspectivas? O que você tem planejado para o futuro?