Publicado em 03/08/2016

Efeitos antineoplásicos e imunológicos da pterocarpanquinona

Um dos principais problemas que afetam os pacientes com câncer são os ciclos de quimioterapia, que causam inúmeras alterações no organismo, efeitos colaterais e são muito tóxicos para as células normais. A quimioterapia sensibiliza o sistema imune e contribui para o desenvolvimento de comorbidades graves que podem conduzir a morte. Mediante a isso, estudos sobre a imunotoxicidade de fármacos são muito importantes.

Um trabalho realizado por um grupo de pesquisadores da UFRJ e publicado pela revista Investigational New Drugs no dia 18 de Maio de 2016 avaliou os efeitos da pterocarpanquinona LQB-118, uma molécula híbrida constituinte de uma grande família de substâncias sintéticas que demonstra propriedades antineoplásicas in vitro e in vivo.

Intitulado ''In vitro and in vivo antineoplastic and immunological effects of pterocarpanquinone LQB-118'', o artigo foi liderado pela Professora Vivian Rumjanek e descreveu os efeitos de toxicidade da droga sobre o sistema imunológico. Segundo os resultados, a pterocarpanquinona apresentou grande eficácia contra células tumorais, demonstrando ser um potencial fármaco para o desenvolvimento de estudos contra o câncer.

Os cientistas, que patentearam a molécula, usaram modelos de ratos com carcinoma ascítico de Ehrlich e melanoma B16F10, para realizarem os experimentos.

A pterocarpanquinona LQB-118

Sintetizada por cientistas da UFRJ há alguns anos, a molécula pterocarpanquinona é um resultado da união de dois grupos de moléculas bioativas: as quinonas (substâncias amplamente encontradas na natureza, exercem funções na cadeia respiratória e fotossíntese como carreadores de elétrons, além de exibirem atividades pró-oxidantes que promovem a indução da morte celular) e os pterocarpanos (metabólitos secundários derivados de isoflavonóides, encontrados principalmente em plantas leguminosas, apresentam propriedades anti-inflamatórias e antineoplásicas).

O estudo examinou a toxicidade da LQB-118 em órgãos do sistema imunológico e relatou que a pterocarpanquinona é capaz de reduzir o crescimento tumoral, induzindo apoptose nas células tumorais, além de apresentar baixa toxicidade para células normais. O tratamento com a molécula também demonstrou efeitos colaterais menos pronunciados, como a diminuição da caquexia, caracterizada pela perda de peso dos pacientes sob tratamento.

O composto LQB-118 gerado possui atividades antineoplásicas em diferentes linhagens de células tumorais humanas, como câncer de pulmão, linfoma de Burkitt e leucemias mielóides agudas ou crônicas. Além disso, o LQB-118 exibiu eficácia semelhante ao paclitaxel, uma droga citotóxica utilizada no tratamento antitumoral.

A avaliação do sistema imunológico após a administração do LQB-118 não revelou alterações no peso ou na composição celular de qualquer órgão primário ou secundário do sistema imune. É considerável ressaltar que a administração de uma dose elevada desse composto conduziu a uma imunotoxicidade mínima, sem afetar a ativação das células T (células responsáveis pela defesa do organismo contra agentes desconhecidos), o que sugere ser um indicativo de alternativa mais confiável para quimioterapia.

Em outros estudos, as primeiras classes de pterocarpanquinonas já foram descritas por suas atividades leishmanicidas em diferentes espécies de leishmania, atuando como um protótipo seletivo sobre a mitocôndria dos parasitas.

 newdrugs

A professora Vivian Rumjanek respondeu algumas questões de seu trabalho para o nosso Portal:

PORTAL BIOQMED. O tratamento quimioterápico do câncer é bastante desafiador, uma vez que as células expostas aos quimioterápicos podem desenvolver um fenótipo de resistência às drogas. Já foram encontradas células tumorais resistentes à pterocarpanquinona? Qual seria a característica dessas células?

PROFESSORA VIVIAN RUMJANEK. Ela nunca foi utilizada in vivo em pacientes. Em in vitro nós ainda não conseguimos produzir células resistentes a pterocarpanquinona, mas esse processo de indução de resistência é um processo muito longo, pode ser que um dia se consiga ter células resistentes sim. Mas como os processos de resistência que a gente tem estudado e testado envolvem a substância sem o substrato de uma bomba que joga fora os quimioterápicos, nós já sabemos que a pterocarpanquinona não é substrato. Então mesmo que desenvolva algum tipo de resistência, terá que ser um tipo de resistência diferente, do tipo clássico de resistência. Como ela não é um substrato, mesmo que apareça uma bomba na superfície e expulsando o quimioterápico, não expulsa ela. Portanto, é pouco provável. Em animais ela não é tóxica, foi testada in vivo e não apresenta toxicidade, nem para o sistema imunológico. In vitro ela destrói o tumor sem matar células normais. Ela tem algum tipo de especificidade, células resistentes a drogas não são resistentes a ela. Ela não é substrato em processos de resistência, então as células morrem.

 

PORTAL BIOQMED. Os mecanismos e as rotas de metabolização em que a estrutura pterocarpanquinona está envolvida já são bem conhecidas? Segundo seu artigo, essa molécula apresenta baixos níveis de toxicidade sobre as células normais. Em relação a outros fármacos, ela apresenta desvantagens? E as vantagens?

PROFESSORA VIVIAN RUMJANEK. Não são bem conhecidas, os mecanismos estão sendo estudados, têm várias vias que estamos estudando, vários caminhos conhecidos, mas te apresentar um quadro e dizer ''essa substância mexe com certeza na respiração celular...'', ainda seria precoce dizer. Já a estrutura dela é bem conhecida (é uma molécula que foi sintetizada), sabemos que se colocamos um oxigênio num lugar ou um hidrogênio em outro, mexe um pouquinho naquela estrutura, ela deixa de funcionar, então se conhece muito bem a estrutura e o que a estrutura não pode ter, senão ela deixa de funcionar.

In vitro, até o momento ela parece apresentar uma série de vantagens. In vivo ela também funcionou não sendo tóxica. Então, não existe um quimioterápico que tenha ação sobre todos os tipos de tumores, provavelmente ela será eficiente contra alguns tipos de tumores e apresentando baixo grau de toxicidade, mas pode ser que ela não seja eficiente contra outros tipos de tumores. Ela certamente parece ser eficiente contra leucemias, um grupo que trabalha com a gente do INCA mostrou que ela é eficiente contra gliomas, ela parece ser eficiente contra uma série de tumores, mas não necessariamente isso significa que vai ser uma panacéia, uma substância que vai ser eficiente contra todos os tipos de tumorais. É um ideal ainda não alcançado, mas conseguir resolver alguns tipos tumorais sem efeitos colaterais é uma coisa muito importante.

 

PORTAL BIOQMED. Em quais casos valeria a pena usar quimioterapia através da pterocarpanquinona?

PROFESSORA VIVIAN RUMJANEK. Certamente ela parece funcionar em linhagens resistentes, acredito que isso seja uma grande vantagem, ela funcionar em linhagens que outros  quimioterápicos não tenham mais atividade, porque essa linhagem, esse tumor já se tornou resistente a múltiplas drogas. Mostramos realmente que nesse caso, a pterocarpanquinona funciona igualmente bem em células resistentes. A grande diferença da pterocarpanquinona comparada a uma série de quimioterápicos promissores que existem por aí é a baixa toxicidade e a sua capacidade de funcionar em células com resistência a múltiplas drogas.

PortalVivian2

Recomendamos fortemente a leitura do artigo ”In vitro and in vivo antineoplastic and immunological effects of pterocarpanquinone LQB-118” no site do periódico através do endereço eletrônico: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10637-016-0359-2

Formato para citação:

* Salustiano EJ, Dumas ML, Silva-Santos GG, Netto CD, Costa PR, Rumjanek VM. In vitro and in vivo antineoplastic and immunological effects of pterocarpanquinone LQB-118. Invest New Drugs. 2016 May 18. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 27189479.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.