Publicado em 28/10/2015

Moléculas presentes na saliva de vetores da doença de Chagas podem ser usadas como anti-trombóticos

No dia 25 de Junho de 2015, a revista PLoS Negleted Tropical Diseases publicou um estudo interessante coordenado pelo grupo do Prof. Robson Monteiro. Neste artigo, os autores mostram que proteínas da família das lipocalinas, encontradas nas glândulas salivares de triatomíneos vetores da Doença de Chagas, são capazes de inibir a agregação plaquetária. Essa inibição é mediada por armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETS) através da interação com prostanóides, como o tromboxano A2 (TXA2).

O portal BIOQMED convidou o Prof. Robson Monteiro e a pós-doutoranda Daniella Mizurini para esclarecer questões relacionadas ao artigo e divulgar seu trabalho.

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Por Larissa Haerolde para o PORTAL BIOQMED.

PORTAL BIOQMED. Olá Professor Robson. Sabemos que o senhor é um dos grandes talentos revelados ao longo da última década pelo IBqM e gostaríamos de parabenizá-lo pela publicação na revista da PLoS-NTD! Para começar, gostaríamos de saber qual a importância do estudo e da caracterização de proteínas obtidas a partir da saliva de artrópodes hemátofagos?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: Prezada Larissa, seja bem-vinda ao IBqM! A tarefa que você assumiu recentemente em nosso Portal – coordenada pelo Professor Francisco Prosdocimi – é extremamente importante para a divulgação das atividades de extensão e pesquisa realizadas em nosso Instituto. Agradeço também pela gentileza.

Vamos então às respostas: a caracterização de moléculas obtidas a partir da saliva de animais hematófagos (vermes, insetos, aracnídeos, morcegos) tem se mostrado potencialmente útil como ferramenta para o estudo da fisiologia cardiovascular, incluindo aqui a agregação plaquetária e a coagulação sanguínea. Nesse contexto, essa estratégia tem permitido a identificação de novos inibidores exógenos da hemostasia com potencial uso terapêutico. Podemos citar como exemplo a hirudina, um peptídeo que foi isolado da saliva de sanguessuga Hirudo medicinalis e que atua como inibidor específico de trombina, uma enzima essencial para o processo de coagulação do sangue. A modificação da hirudina pela indústria farmacêutica permitiu o desenvolvimento de compostos sintéticos que vêm sendo empregados como anticoagulantes em procedimentos cirúrgicos, principalmente em pacientes com complicações causadas pelo uso da heparina.

 

PORTAL BIOQMED. O que são as proteínas dipetalodipina e triplatina? Como essas duas proteínas impedem a agregação plaquetária? Onde elas são encontradas?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: As proteínas dipetalodipina e triplatina foram identificadas na glândula salivar dos insetos hematófagos Dipetalogaster maxima e Triatoma infestans.

Para entender como essas proteínas inibem a agregação plaquetária é preciso saber que a interação da plaqueta com o colágeno - que pode ser causada pela exposição de matriz extracelular após lesão vascular - desencadeia a ativação plaquetária e subsequente secreção de componentes do interior de seus grânulos densos como ADP e tromboxano A2 (TXA2), que irão recrutar e ativar novas plaquetas levando à formação de um agregado plaquetário.

Desta forma, o TXA2, assim como o ADP, secretado pelas plaquetas ativadas, são importantes mediadores secundários para a ativação e agregação plaquetária iniciada pela exposição do colágeno presente na matriz extracelular do subendotélio. Dados prévios publicados pelo grupo do Dr. José Marcos Chaves Ribeiro e Dr. Ivo Francischetti (National Institutes of Health, EUA) mostraram que tanto a dipetalodipina quanto a triplatina interagem diretamente com diferentes prostanóides, entre eles o TXA2. Isto explica porque essas proteínas inibem a agregação plaquetária induzida por TXA2 assim como por baixas concentrações de colágeno, sem interferir na ativação das plaquetas.

 

PORTAL BIOQMED. Essas duas proteínas são capazes de inibir a trombose arterial? A que se deve o efeito antitrombiótico reportado em seu estudo?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: Nesse estudo nós empregamos dois modelos de experimentais de indução da trombose em camundongos. O primeiro modelo consiste na administração de colágeno por via intravenosa provocando um quadro fatal de tromboembolismo pulmonar.

O segundo modelo se baseia na lesão do endotélio vascular pela aplicação de uma solução de cloreto férrico sobre a artéria do animal. A aplicação de cloreto férrico sobre um vaso sanguíneo causa estresse oxidativo com geração de radicais livres, que, por sua vez, promovem peroxidação lipídica e lesão das células endoteliais, resultando na exposição de colágeno presente no espaço subendotelial.

É importante ressaltar que as proteínas dipetalodipina e triplatina não impedem a ativação das plaquetas pelo colágeno, em ambos os modelos de trombose empregados, mas, por sequestrar o TXA2 que é secretado nesse momento. Assim, essas proteínas são capazes de impedir a propagação desse evento (ativação de plaquetas) que é de grande importância para o crescimento e consolidação do trombo intravascular.

Acreditamos que o efeito antitrombótico da dipetalodipina e triplatina se deve primordialmente à atividade antiplaquetária dessas proteínas. Além disso, estudos recentes têm demonstrado que as plaquetas auxiliam na formação de redes extracelulares de neutrófilos, estruturas que parecem desempenhar um importante papel no processo de formação de trombos venosos e arteriais.

 

PORTAL BIOQMED. Seu estudo demonstrou propriedades anti-hemostáticas e anti-trombióticas nas proteínas salivares de ligação (dipetalodipina e triplatina) ao Tromboxano A2. O que é e como funciona o Tromboxano A2? Como pode ser explicada a interação de alta afinidade entre essas proteínas e o TXA2?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: O TXA2 é um lipídeo bioativo que atua como agente vasoconstritor, além de causar agregação plaquetária via receptores específicos. A dipetalodipina e a triplatina pertencem a uma família de proteínas denominada lipocalinas. Uma característica comum às lipocalinas é a sua estrutura que se assemelha a um barril, no qual pequenas moléculas hidrofóbicas podem se ligar. Nesse sentido, existem dezenas de lipocalinas capazes de interagir com diferentes moléculas bioativas incluindo diferentes leucotrienos, aminas biogênicas e outras.

 

PORTAL BIOQMED. O que são as armadilhas extracelulares dos neutrófilos (NETs)? Como o prostanóide TXA2 medeia a formação de NETs? Como ele é produzido e de que forma isso contribui para a formação do trombo?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: Há cerca de dez anos, o grupo do Dr. Arturo Zychlinsky (Max Planck Institute, Alemanha) descreveu um novo mecanismo pelo qual os neutrófilos podem eliminar patógenos. Este mecanismo foi denominado NETose e consiste na extrusão de redes extracelulares compostas por fibras de DNA contendo cromatina, histonas e proteínas granulares como a elastase e a mieloperoxidase. Embora os mecanismos moleculares relacionados à formação das redes extracelulares dos neutrófilos (NETs) não estejam completamente compreendidos, alguns trabalhos mais recentes conduzidos pelo grupo da Dra. Denisa Wagner (Harvard Medical School, EUA) mostraram que as NETs funcionam como um arcabouço para o recrutamento e ativação de plaquetas bem como para a ativação da coagulação sanguínea, contribuindo para a formação e propagação de trombos.

 

PORTAL BIOQMED. Existem outros inibidores salivares conhecidos para impedir a formação de redes e prevenir a trombose? Quais são as novas visões e os resultados que a sua pesquisa e a literatura contemporânea fornecem? Como essas novas informações podem ajudar na pesquisa médica clínica?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO / DRA. DANIELLA MIZURINI: O grupo de pesquisa do Dr. José Marcos Chaves Ribeiro e Dr. Ivo Francischetti identificou outras proteínas com capacidade de atuar sobre as NETs. Uma delas é a agaphelina, que é expressa na glândula salivar do mosquito Anopheles gambiae. A agaphelina foi caracterizada como sendo um inibidor de elastase e ensaios in vitro e in vivo conduzidos por nosso grupo mostraram que esta proteína bloqueia a formação das NETs, reverte o efeito pró-coagulante dessas estruturas e inibe a formação de trombos. Mais recentemente temos trabalhado com o endobat, uma endonuclease caracterizada a partir da glândula salivar do morcego vampiro Desmodus rotundus. Resultados preliminares de nosso grupo mostram que esta enzima é capaz de degradar as NETs in vitro.

 

PORTAL BIOQMED.  Sabemos que o senhor é o coordenador da nossa pós-graduação em Química Biológica, que é uma pós-graduação de excelência, tendo alcançado e mantido há anos o nível máximo da CAPES (nível 7). A que você considera que se deve esse reconhecimento e qual o segredo para manter uma pós-graduação com esse nível de excelência tão alto por tanto tempo?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO: A principal razão pela qual nosso curso de pós-graduação é avaliado com nota máxima pela Capes é sem dúvida alguma o nosso corpo docente. Dentre os professores que atuam em nosso Programa temos alguns dos mais competentes cientistas do Brasil. O efeito é notório: pesquisa de qualidade internacional, formação de um bom número de mestres e doutores capazes de seguir com êxito na carreira acadêmica, cooperação com grupos no exterior e outros parâmetros que fazem a diferença no momento da avaliação!

 

PORTAL BIOQMED.  E finalmente, o que você acha sobre o investimento em ciência feito no Brasil atualmente? Como o senhor vê o futuro da pesquisa no Brasil, no Rio de Janeiro e, mais especificamente, em nosso Instituto?

PROFESSOR ROBSON MONTEIRO: Larissa, estamos atravessando uma fase extremamente delicada com significativa redução dos investimentos em vários setores, incluindo na educação e ciência. As verbas de pesquisa sofreram um forte corte e o mesmo foi visto na verba destinada aos cursos de pós-graduação. Por enquanto o futuro da pesquisa no Rio e no Brasil ainda é incerto e esperamos que haja sinais de melhora em 2016. Vamos adiante!

 

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Recomendamos fortemente a leitura do artigo “Salivary Thromboxane A2-Binding Proteins from Triatomine Vectors of Chagas Disease Inhibit Platelet-Mediated Neutrophil Extracellular Traps (NETs) Formation and Arterial Thrombosis” no site do periódico através do endereço eletrônico: http://journals.plos.org/plosntds/article?id=10.1371/journal.pntd.0003869

Formato para citação:

* Mizurini DM, Aslan JS, Gomes T, Ma D, Francischetti IM, Monteiro RQ. Salivary Thromboxane A2-Binding Proteins from Triatomine Vectors of Chagas Disease Inhibit Platelet-Mediated Neutrophil Extracellular Traps (NETs) Formation and Arterial Thrombosis. PLoS Negl Trop Dis. 2015 Jun 25;9(6):e0003869. doi:10.1371/journal.pntd.0003869. eCollection 2015 Jun. PubMed PMID: 26110417; PubMed Central PMCID: PMC4482233.

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.