Publicado em 05/05/2017

Desenvolvendo uma vacina para a Zika

Um grupo de pesquisadores associados ao Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis tem avançado no desenvolvimento de uma vacina contra o vírus da Zika. O trabalho ainda não foi publicado, mas devido ao grande interesse do assunto com relação à saúde pública, decidimos realizar a presente reportagem.

Os experimentos realizados em camundongos mostraram que, quando quando submetido à alta pressão hidrostática, o vírus  é inativado, tornando o camundongo imune ao vírus pressurizado. Ainda faltam testes em primatas e em humanos, mas o resultado é bastante promissor e pode permitir a criação de uma vacina ainda inédita contra a doença.

A Profa. Andrea Cheble, uma das autoras do estudo, esclareceu ao nosso Portal como está sendo elaborado o estudo e como funciona essa inativação do vírus da Zika.

 

PORTAL BIOQMED. Olá, Professora. Você pode nos contar primeiramente qual é o expertise da sua equipe? E, a seguir, como vocês fizeram a inativação do vírus da Zika?

PROFa ANDREA CHEBLE. Nossa equipe é composta por pesquisadores com experiência especialmente nas áreas de virologia, bioquímica, biofísica e biologia estrutural, com foco em diversas proteínas e vírus. Nos estudamos há muitos anos os arbovírus como aqueles que causam Dengue, Febre Amarela, Mayaro e, mais recentemente, Zika e Chikungunya. Também temos ampla experiência no uso de alta pressão hidrostática em sistemas biológicos, especialmente na utilização para inativação de vírus, com o objetivo de obtenção de vacinas. Vários trabalhos do nosso grupo têm evidenciado que a inativação por pressão leva as partículas virais para um estado que chamamos de fusogênico e que isso é determinante em gerar uma boa resposta imune para vários vírus que causam infecção humana, incluindo flavivírus como o vírus da Febre Amarela e outros vírus como o Influenza, causador da gripe. Essa característica é importante, pois indica a exposição de epítopos conservados, ou seja, regiões antigênicas conservadas, o que pode levar a uma maior produção de anticorpos contra essas regiões. Juntamos então essa nossa experiência e abordagem à necessidade de se conhecer melhor o vírus Zika e desenvolver uma vacina eficiente considerando esse cenário preocupante e atual, especialmente no Brasil.

Iniciamos essa pesquisa há aproximadamente 1 ano e já temos resultados bastante promissores! Submetemos o vírus a diferentes protocolos de pressurização, onde utilizamos um aparato de pressão composto por um gerador de pressão e um recipiente que chamamos de bomba ou célula de pressão. O vírus é colocado em pequenos tubos próprios para suportar e garantir a aplicação de pressão e -- após testar alguns protocolos alterando a pressão aplicada e alguns parâmetros como temperatura, tempo de pressurização dentre outros -- ficamos bastante satisfeitos porque obtivemos sucesso na inativação completa do vírus Zika. Esse vírus inativado é incapaz de se replicar em células modelo e incapaz de gerar a doença em camundongos, inclusive camundongos imunocomprometidos, o que mostra a segurança dessa potencial vacina.

 

PORTAL BIOQMED. Qual será o próximo passo do estudo que está sendo feito em camundongos?

PROFa ANDREA. Uma vez constatada a completa inativação do vírus testada em células-modelo, passamos aos testes em pequenos animais. Estamos utilizando camundongos saudáveis e camundongos imunossuprimidos para testar a eficácia da potencial vacina. Ambos não adoecem após serem inoculados com o vírus inativado, o que comprova a inativação e a segurança das partículas inativadas, reforçando a ideia de que essas podem ser usadas como uma vacina. Essa etapa ainda está em fases iniciais, mas esse resultado já é bastante animador. Estamos no momento caracterizando a partícula inativada e a produção de anticorpos por esses animais vacinados e analisando se, após serem vacinados e desafiados com o vírus Zika infeccioso, são portanto protegidos da infecção. Um fato interessante que pode explicar a possível produção de anticorpos e proteção dos animais vacinados é a estrutura do vírus inativado. Quando analisamos as partículas inativadas por técnicas de biologia estrutural, como microscopia eletrônica, observamos que após o retorno à pressão atmosférica esses vírus inativados apresentam estrutura bastante semelhante ao vírus infeccioso, o que certamente preserva as regiões antigênicas que são importantes para a produção de anticorpos capazes de proteger os indivíduos quando em contato com o vírus infeccioso. Portanto, a pressão é capaz de eliminar a capacidade de infecção do vírus por alterar de alguma forma a estrutura viral, mas manter a imunogenicidade, ou seja, a capacidade de induzir uma resposta imune no indivíduo vacinado. Não seria interessante se essa metodologia destruísse completamente a estrutura viral e eliminasse o que chamamos de epítopos, regiões antigênicas importantes na produção de anticorpos eficazes. Uma vez caracterizada a produção de anticorpos e da resposta imune utilizando os vírus Zika inativados por pressão, e confirmada a completa proteção dos animais investigados, finalizando com segurança esses testes pré-clínicos em camundongos, teremos que testar a eficiência de proteção em primatas não humanos, macacos de pequeno porte, e só então seremos capazes de passar para os testes clínicos. A produção de vacinas seguras requer um certo tempo e somente após todos esses testes teremos como testar a vacina em humanos.

O método de inativação por pressão tem grandes vantagens em relação a outros métodos de preparação de vacinas. Um dos aspectos interessantes é se tratar de um método físico, não envolvendo o uso de agentes químicos que além de serem capazes de gerar efeitos colaterais indesejáveis a alguns indivíduos que são vacinados, encarecem o método. O uso de alta pressão para preparação de vacinas seria, portanto de grande importância médica e econômica. No caso da inativação por pressão, a irreversibilidade da perda da infecciosidade e a manutenção da estrutura viral são fatores que asseguram uma maior eficiência para as vacinas. Vários trabalhos do grupo têm evidenciado que a inativação por pressão leva as partículas virais para o estado fusogênico e que isso é determinante em gerar uma boa resposta imunogênica em vários vírus que causam infecção humana, incluindo flavivírus, como o Febre Amarela, e vírus da gripe aviária e humana, o que nos aponta para o sucesso contra o vírus da Zika.

 

PORTAL BIOQMED. Como podemos ver, há uma dificuldade em se realizar pesquisa aqui em nosso país devido a falta de investimento em ciência. Vocês encontraram muitas dificuldades para a realização da pesquisa, em relação ao orçamento que investido?

PROFa. ANDREA. Com relação ao investimento em pesquisa científica na universidade, não temos dúvida de que o cenário atual infelizmente não é nada positivo... diria até desestimulante. As agências de fomento estão atualmente com seus editais congelados e auxílios por pagar. Existem alguns poucos programas voltados para fomentar pesquisa em doenças estratégicas, emergenciais, como, por exemplo, a Zika, pela evidente preocupação atual, mas a grande maioria das pesquisas está em um momento de insuficiência de recursos.

Felizmente, esse estudo que estamos desenvolvendo tem tido apoio fundamental da FAPERJ, CNPq e Finep, através de editais específicos de redes para o estudo desses arbovírus, como Zika e Chikungunya, aos quais concorremos e fomos contemplados, o que garante a continuidade do projeto.

 

 

Participam da pesquisa os seguintes autores, todos do IBqM: Profa. Andréa Cheble de Oliveira, Prof. Jerson Lima Silva e Prof. Andre M. O. Gomes, Dr. Carlos Henrique Dumard, Dra. Francisca Hildemagna Guedes da Silva, Dra. Renata Travassos de Lima e também o Prof. Herbert Guedes do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ.

 

Por Larissa Haerolde e Francisco Prosdocimi para o portal BIOQMED.